PARÂMETROS URBANÍSTICOS EM LOTEAMENTOS IRREGULARES E CLANDESTINOS NA ZONA OESTE DO RIO DE JANEIRO
por Carlos Fernando de Souza Leão Andrade
Dissertação Apresentada ao Programa de Pós Graduação em Urbanismo Faculdade de Arquitetura e Urbanismo Universidade Federal do Rio de Janeiro
Como Requisito Parcial à Obtenção do Título de Mestre
Dezembro,1998
UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO CENTRO DE LETRAS E ARTES FACULDADE DE ARQUITETURA E URBANISMO PROGRAMA DE PÓS GRADUAÇÃO EM URBANISMO - PROURB
A dissertação “PARÂMETROS URBANÍSTICOS EM LOTEAMENTOS IRREGULARES E CLANDESTINOS NA ZONA OESTE DO RIO DE JANEIRO “
elaborada por Carlos Fernando de Souza Leão Andrade e aprovada por todos os membros da Banca Examinadora, como requisito parcial à obtenção do título de MESTRE
12 DE MARÇO DE 1999
RESUMO
Trata-se de dissertação para obtenção do grau de Mestrado, baseada em dados coletados pelo IPLANRIO, órgão da Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro e reunidos no Sistema de Assentamentos de Baixa Renda (SABREN). Deste universo, foram retiradas informaçòes sobre 103 loteamentos irregulares e clandestinos da Zona Oeste da Cidade do Rio de Janeiro, com os quais se sistematizaram as características urbanísticas do conjunto e, após a identificação de um grupo de loteamentos considerados típicos, selecionaram-se os parâmetros neles existentes e que permitiram alcançar as conclusões do trabalho
ABSTRACT
This is the work for a Master degree qualification, based on informations, colected by IPLANRIO, agency of Rio de Janeiro Town Hall, and joined at SABREN ( Low Cost Housing Settlements). From This group, some informations have been separated, about 103 illegal developments at West Zone of Rio de Janeiro City, and arranjed systematically their urbanistic characteristics. Them, after identification of a group of developments, considered as tipicals, have been selected urbanistics parameters, existent there, what permitted to reach the conclusions of the work.
AGRADECIMENTOS
Inicialmente, desejo agradecer à equipe da Gerência de Regularização de Loteamentos, da SMH, que, por sua dedicação e entusiasmo em seu próprio trabalho, me demostrou a relevância da questão dos loteamentos irregulares e clandestinos em nossa cidade e sobre a necessidade de melhor conhecê-los.
Ao Dr. Antônio Augusto Veríssimo, também da SMH, por consentir em repartir sua experiência no Núcleo de Regularização de Loteamentos, possibilitando a melhor compreensão daquele órgão e de sua trajetória.
Às Professoras Lilian Fessler Vaz, Marlice Nazareth S. de Azevedo e Rachel Coutinho, cujos conselhos, críticas e sugestões mostraram-se significativas contribuições à elaboração deste trabalho.
À Professora Ana Lúcia Britto, cuja orientação possibilitou com que tudo se tornasse mais claro e alcançável, meu particular agradecimento.
Aos amigos Cláudia, Cleyson, Eduardo, João, Luciano e Raul pela prestimosa ajuda na finalização do trabalho, sem o que, pequenos detalhes tornar-se-iam grandes obstáculos.
Ao Movimento de Moradores de Loteamentos, cuja persistência de sua luta me serviu de estímulo a seguir com este projeto.
A todos meu muito obrigado,
O Autor.
Dedico este trabalho a
Déa Torres de Paranhos,
arquiteta - urbanista, da turma de 1934;
de quem primeiro escutei a palavra
urbanismo.
APRESENTAÇÃO
Numa cidade que parou de crescer, existe uma área que, paradoxalmente, atrai multidões!
Pode-se assim resumir o que ocorre, atualmente, na Zona Oeste do município do Rio de Janeiro, cidade que apresenta taxas de crescimento demográfico inferiores às da Escandinávia ou da Suíça, trechos do planeta que em nada fazem lembrar a dinâmica de uma região metropolitana do Terceiro Mundo. A Zona Oeste, por outro lado, assiste a um processo que, por sua vez, em nada lembra a estagnação demográfica do Rio de Janeiro, com suas taxas negativas de migração.
Pelo contrário, o crescimento populacional absoluto da Zona Oeste é superior ao do próprio Rio de Janeiro, o que só é possível em virtude do decréscimo populacional de outros pontos da cidade.
O Rio de Janeiro é uma cidade que, diferente das demais, não cresce, mas se transfere para dentro de si mesma!
Este processo de migração interna, que faz inchar a Zona Oeste, é conseqüência da incapacidade da população em arcar com os custos de moradia nas áreas infra-estruturadas da cidade, entendendo-se por isso, aumento das prestações da casa própria, aluguéis e de taxas, como o IPTU. Acrescente-se a isso, o declínio da economia fluminense, as sucessivas crises financeiras nacionais e o aumento da recessão e do desemprego.
Este conjunto de fatores determina essa nova “Marcha para o Oeste” da população carioca que vê, tanto nas favelas dos antigos bairros, como nas novas frentes de ocupação, a saída para sua crise de moradia que, em verdade, é uma expressão da carência econômica generalizada.
Assim, o crescimento da Zona Oeste é marcado pelo avanço da pobreza carioca que nela encontra sua principal alternativa locacional. Naturalmente, que isto se dá através de formas de assentamento baratas o suficiente, para fazer face ao poder aquisitivo desta população empobrecida e é, nos loteamentos irregulares e clandestinos, que boa parte dela encontrará abrigo.
A magnitude deste processo¹ motivou a execução do presente estudo.
O objeto da pesquisa consubstancia-se, assim, no grupo de loteamentos considerados irregulares e clandestinos, existentes da Zona Oeste da Cidade do Rio de Janeiro. De início, deve-se supor loteamento, como uma forma de assentamento, na qual o fracionamento da gleba original ocorre anteriormente à sua ocupação, diferindo, neste caso, claramente de uma invasão, onde as duas coisas, parcelamento e ocupação, se fazem concomitantemente. Difere, mais ainda, de uma favela na qual a ocupação, na maioria dos casos, se dá de forma paulatina.
Acrescente-se ainda que, para que haja um loteamento, deve haver um loteador, a quem cabem diversas obrigações seja em relação à propriedade da gleba, seja em relação às exigências legais, para que se efetive o desmembramento do terreno. A operação, por sua vez, é caracterizada pelo desejo de realização de lucro por parte deste agente, diferentemente, portanto, da ocupação ou da favela, onde o valor de uso se sobrepõe, normalmente, ao valor de troca da terra parcelada.
Estes loteamentos, objeto da presente dissertação, diferem de seus congêneres regularizados, por descumprirem, no todo ou em parte, as exigências colocadas tanto pela legislação municipal como federal, colocando no mercado, terrenos, a um custo nominal inferior aos lotes regulares.
Desta forma, encontram-se neste universo, desde parcelamentos onde os procedimentos visando a regularização já foram iniciados, alguns, onde os processos de venda de lotes seguiram ações válidas sob o ponto de vista jurídico e sua legalização depende de decisões estritamente de âmbito municipal, até alguns casos em que a divisão da gleba e venda dos lotes sequer foram feitas por seu possuidor legal, acarretando para os compradores não só a impossibilidade de regularização do imóvel parcelado como, até mesmo, a simples imissão de posse daquilo que foi legitimamente comprado.
O conjunto de loteamentos aqui estudados envolve desde parcelamentos do porte de simples vilas, com pequeno número de lotes, como outros que assumem a problemática de verdadeiros bairros, com mais de mil unidades. Há casos em que significativas inversões de recursos públicos propiciaram razoáveis condições de infra-estrutura, como também há aqueles cuja habitabilidade, em condições aceitáveis, dependem de ações complexas e dispendiosas.
Assim, também, as condições de habitabilidade variam muito nestes loteamentos e, igualmente, são diferentes e variados os fatores que determinam sua irregularidade ou clandestinidade. Alguns destes fatores consubstanciam-se em aspectos puramente jurídicos, relativos à processualística imobiliária ou cartorial, porém este trabalho não se propõe a analisar estes condicionantes mas, focalizar os parâmetros urbanísticos que circunscrevem o nível de atendimento da legislação vigente e, em contrapartida, as condições de habitabilidade que os loteamentos apresentam.
Estes parâmetros serão analisados, a partir dos elementos identificados como formadores do espaço urbano e, embora se reconheça que existem outros, no caso específico dos loteamentos, elegeu-se o lote, a via e as áreas públicas como os elementos definidores.
Conquanto o objetivo principal deste trabalho seja, basicamente, uma análise dos padrões urbanísticos encontrados nos loteamentos irregulares e clandestinos, não se pode deixar de relacionar que esses padrões são decorrentes de estruturas de custo que buscam atingir o poder de compra da população de baixa renda, sabidamente, baixíssimo. Visivelmente, a legislação que regula o tema, como se verá, apresenta exigências que dificilmente podem ser atendidas numa operação que reúna apenas loteador e adquirente. Assim, o trabalho partiu de uma hipótese principal, qual seja, a de que os parâmetros urbanísticos exigidos pela legislação são os principais fatores geradores de clandestinidades nos loteamentos, em particular a Lei Federal 6766/79.
Seguindo-se esta linha de trabalho, no capítulo inicial da presente dissertação, tentar-se-á conceituar os diversos elementos que compõem o estudo, a começar pelo que seja loteamento, cujo entendimento já se antecipou, anteriormente, além dos conceitos de periferia e parâmetros urbanísticos. No Capítulo II, revê-se as legislações federal, estadual e municipal, que determinam os contornos da regularidade urbanística.
No Capítulo III, apresenta-se a Zona Oeste, sob seus aspectos naturais, de uso do solo e demográficos, vale dizer, aqueles que interferem no âmbito do presente trabalho, enquanto no Capítulo IV, dar-se-á ênfase aos aspectos históricos e, em particular, aos processos que redundaram na escalada de parcelamentos do solo para fins urbanos. Conclui-se o capítulo, com a gênese dos loteamentos irregulares e clandestinos, e o nascimento do movimento que dá início ao processo de regularização dos loteamentos.
No Capítulo V, identificam-se os parâmetros urbanísticos, exarados pela, legislação levantada no Capítulo II. Neste capítulo, (o quinto), identificam-se os elementos formadores do espaço urbano, e de que maneira a legislação os trata. Confrontam-se, a seguir, estes parâmetros legais com aqueles fornecidos pela literatura técnica específica, principalmente os chamados manuais de urbanismo, ou de desenho urbano, como preferem alguns. Com isto, pretende-se estabelecer parâmetros que avaliem a habitabilidade dos loteamentos, já que a legislação, por si só, não é garantia para que, através de sua aplicação, produza bons resultados.
No Capítulo VI, apresenta-se a metodologia que será utilizada na caracterização dos loteamentos, tendo por base os elementos formadores do espaço urbano, já identificados, e sob que parâmetros são eles implantados nos loteamentos irregulares e clandestinos. Para tanto, a amostra que se irá utilizar como objeto empírico deste estudo são os 103 loteamentos constantes do cadastro do IPLANRIO e que contém as informações necessárias à finalidade aqui proposta. Esta anáilise encontra-se, no Capítulo VII, que se encerra com a identificação de loteamentos típicos, sobre os quais intensifica-se o nível de investigação, incluindo-se suas plantas, aqui esquematizadas, o histórico de seu parcelamento e todo o conjunto de informações disponíveis no cadastro citado.
Finalmente, no Capítulo VIII, apresentam-se as conclusões deste estudo. Neste sentido, contrapõe-se a concepção de cidade, ou de espaço urbano, que se pretende atingir com os atos legais, à ausência de uma política real de habitação. Afirma-se que enquanto o estado possui considerável capacidade de regulamentação, possui muito pouca, ou quase nenhuma, possibilidade de fiscalizar.
A partir desta constatação, pode-se discutir se a ação do poder público se faz necessária, em que medida e em que direcionamento, já que não se pode deixar de reconhecer que os parâmetros urbanísticos identificados, nos loteamentos irregulares e clandestinos, pouco diferem daqueles determinados pela legislação. Isto fez com que a aludida hipótese inicial desta dissertação não se confirmasse.
Em resumo, conclui-se que a principal questão que determina a irregularidade dos loteamentos aqui estudados é, em grande parte, a ausência de infra-estrutura, o que remete a repensar as responsabilidades na provisão dos serviços públicos e de como o estado se isentou desta função, ao transferi-la para o loteador.
Observe-se que a existência de serviços públicos, além de ser responsabilidade do estado, é um direito de todos. Ao repassar esta responsabilidade ao loteador, não fiscalizando a sua efetiva provisão e deixando-a a mercê dos agentes privados que atuam na produção do espaço urbano, o estado, em verdade, está privando os habitantes de elementos que se consubstanciam em um direito de cidadania!
¹ Segundo o Jornal do Brasil, a cada mês surgem pelo menos 11 novos loteamentos ilegais e 4 invasões de terrenos no Rio de Janeiro (JB, 14/9/1997 : 37)
CAPÍTULO I
CONCEITUAÇÃO
Neste capítulo inicial, procurar-se-á conceituar os elementos sobre os quais se deterá a presente dissertação e que se encontram contidos no seu próprio título, a saber:
Loteamentos - como uma forma de assentamento humano, com características próprias; Irregularidade e clandestinidade - situações definidas a partir de critérios jurídicos;
Zona Oeste, região onde se localiza a pesquisa, aqui entendida como periferia do Rio de Janeiro, tornando-se importante a conceituação de periferia e, por fim,
Parâmetros urbanísticos - instrumentos de análise utilizados para avaliar os elementos que formam o espaço urbano e seu grau de habitabilidade. Aqui, serão aplicados, especificamente, em relação ao loteamentos irregulares e clandestinos da Zona Oeste.
Introdução
O processo que estabelece o crescimento das periferias urbanas, através do parcelamento do solo, não é novo, tendo ocorrido mais intensamente a partir dos anos 50. Entretanto, só a partir de 1970, “quando as escalas e velocidades do fenômeno passaram a saltar aos olhos” (Valladares, 1983), este problema passa a ser mais estudado. Observe-se, desde logo, que os autores, aqui consultados, em sua maioria, dirigem suas observações, principalmente, para os aspectos econômicos e sociais do processo, poucos referem-se especificamente a aspectos urbanísticos.. Do elenco, selecionaram-se, principalmente, aqueles que auxiliam na conceituação do objeto de estudo. Inicia-se pelo conceito mais genérico, que parece ser o de periferia, e sobre o qual existem diversos entendimentos.
A conceituação de “periferia”, para os autores pesquisados, não se restringe a revelar apenas uma idéia locacional, isto é, “superfície ou linha que delimita externamente um corpo” ( Ferreira, 1975), mas assume seus aspectos sociais e econômicos.
Desta forma, para Ermínia Maricato (1982: 82), a periferia urbana é:
o “espaço de residência da classe trabalhadora ou das camadas populares, espaço que se estende por vastas áreas ocupadas por casas em pequenos lotes, longe dos centros de comércio ou negócios, sem equipamentos ou infra-estruturas urbanas, onde o comércio e os serviços particulares são insignificantes, enquanto forma de uso do solo”.
A idéia de distância de um núcleo que concentra bens e serviços é acrescentada por Santos (1981: 23), para quem as periferias são “tanto mais precárias e desprovidas de facilidades de consumo coletivo urbanístico, quanto mais se afastem dos Núcleos”, chegando mesmo a afirmar que a precariedade é proporcional à distancia de um núcleo.
Britto (1990 :15), por seu turno, realiza a comparação entre os tipos de crescimento periférico em várias cidades do Terceiro-Mundo (Ásia e América Latina), destacando onde o modelo periférico caracteriza-se pela conjugação loteamento - autoconstrução (como no caso do Rio de Janeiro) e onde este foi substituído pelas operações imobiliárias e, apresentando ainda diversos autores, para os quais, “a forma concreta de morar na periferia seriam os loteamentos acompanhados da autoconstrução...” e acrescenta:
“As formas de produção imobiliária não mercantis , assim como a promoção fundiária² ocorrem apenas em determinadas áreas da cidade que, por suas características espaciais, ainda não foram incorporadas ao mercado imobiliário (áreas periféricas muito distantes do núcleo urbano, com condições precárias de infra-estrutura, ou áreas desvalorizadas no núcleo como as encostas). Estas formas atendem à demanda de uma população que pelo seu nível de renda, não pode participar do mercado imobiliário. Dentro deste quadro de referência a periferia por suas características espaciais e sociais seria uma fronteira para a atuação do capital incorporador, isto é, uma área onde este capital ainda não penetrou de forma a imprimir sua dinâmica na produção desse espaço”.
Deve-se, ainda, procurar identificar o que os autores consideram sobre as peculiaridades aplicadas ao termo loteamento periférico, que o possa separar de outras formas de assentamentos, que também abrigam população de renda baixa, pois, se autores, como Bolaffi, referem-se à periferia, como um local onde a força de trabalho se reproduz em péssimas condições de habitação, tal conceito pode, muito bem, aplicar-se a favelas, invasões, loteamentos irregulares e clandestinos ou, até mesmo, formas de produção imobiliária realizadas por, ou sob encomenda, do Estado, (Valladares, 1983), (Santos, 1981).
Britto (1990 :29), entretanto, diz que “quando surge o promotor fundiário verificase a separação entre propriedade e capital imobiliário, colocando a produção fundiária como transição entre as formas de produção rentista e a promoção imobiliária”, introduzindo assim a figura do promotor fundiário, como uma das características do loteamento, enquanto as favelas distinguem-se, sobretudo, dos outros locais de moradia, pela natureza da ocupação, (Valladares, 1983). No Rio de Janeiro, por exemplo, o padrão (do processo de ocupação) tem sido a invasão gradual... enquanto em Salvador, as invasões resultaram de verdadeiros movimentos coletivos, mobilizando várias centenas de pessoas, o que significa que, neste caso, até pode haver um “promotor fundiário”, entretanto, não agem aí, primacialmente, o que Britto chama, setores que acumulam com a produção do espaço construído. Nestas ocupações predominaria, ainda, o valor de uso da terra sobre seu valor de troca.
Desta forma, o objeto da dissertação - loteamentos numa área periférica- não se define a partir das condições urbanísticas ou pelo padrão construtivo que abriga, já que, como vimos, variadas são as formas de assentamento das classes populares que podem apresentar condições semelhantes. Define-se sobretudo, pela lógica do processo imobiliário, no qual observa-se a figura do loteador, que dá início ao parcelamento, objetivando o lucro. Segundo Santos a atividade é “lucrativa e interessante” e que em alguns casos empresas, aparentemente modestas, servem de veículo para investimentos do grande capital³ . Este autor informa, ainda, que, em alguns casos, a primeira divisão da terra é feita pelos proprietários que montam para isso empresas imobiliárias (1981 : 29).
Até a década de 80, os loteadores identificados como “descapitalizados” foram responsáveis pela metade da produção dos lotes na Zona Oeste (Lago, Ribeiro, 1996), Nesta última década, contudo, por razões que serão discutidas, oportunamente, apresentaram uma produção pouco significativa: cerca de 8% dos lotes produzidos.
Tomando-se em conta, apenas os aspectos já apontados, anteriormente, sobre as condições de acessibilidade, salubridade e habitabilidade, o conceito de loteamento periférico confunde-se com os de loteamentos irregulares e clandestinos, entretanto, “irregulares são aqueles loteamentos cujo projeto é aprovado pela autoridade municipal e que não obtém o aceite das obras pelo fato do loteador não tê-las concluído, apesar de ter efetivado a venda dos lotes.”e que “São considerados clandestinos os loteamentos que não têm projeto aprovado pela autoridade municipal. Neste caso, além da não conclusão das obras de urbanização há, normalmente, irregularidades quanto ao título de propriedade da terra" (Lago, 1990: 24).
Grostein (1990: 33) considera inteiramente inadequados chamá-los de clandestinos
“porém perversamente conveniente - uma vez que sempre estiveram onde estão, registrados no espaço para quem quisesse tomar conhecimento”.
Tem-se, assim que a noção de irregularidade provém, como já adiantou-se, de critério meramente administrativo e refere-se, basicamente, ao atendimento da legislação urbanística que, principalmente, com base na Lei Federal 6766, de 1979, passaram a receber novas exigências. Uma dessas exigências, a que garantiria a melhoria dos padrões sanitários nos loteamentos periféricos, isto é, a execução de obras de infra-estrutura, parece ter imediata conseqüência nos preços finais dos lotes, o que poderia significar uma contradição entre oferta e demanda, pois as periferias são setores da cidade precariamente atendidos por serviços públicos, os quais os valores imobiliários são suficientemente reduzidos para serem suportados pelas populações de baixa renda.
Para Lago (1990: 30), entretanto
“...o que garante a compra do lote não é o seu custo total e sim suas condições de parcelamento,(e assim) ...torna-se pouco relevante a natureza das obras exigidas”.
Santos e Valladares, pelo contrário, afirmam que a viabilidade de venda dos lotes deve-se, exatamente, à ausência de infra-estrutura e serviços urbanos encontrada nos loteamentos. Santos introduz os conceitos de custos econômico e social, para concluir que:
“A um custo econômico zero, corresponde, portanto, um custo social tão mais próximo do infinito quanto maior seja o vazio e o nada onde se implanta o loteamento” (1991: 39).
Observa-se, assim, uma estranha combinação mercadológica, onde um produto é vendável, por ser irregular e, caso fosse atender as normas técnicas, possivelmente não poderia abrigar a população que o procura. Pode-se até especular sobre a existência de um pacto não explicitado, pelo qual o comprador admite a irregularidade, sabedor que é o único produto acessível ao seu poder de compra. Neste sentido Santos chega a identificar a conivência entre os dois atores, vendedor e comprador, (1981 : 30) e quando sustenta que
“a ausência de facilidades urbanas é um fator de desconto do preço da terra. Pagam-no de bom grado, pois imaginam que o tempo trabalhará a seu favor. Quando a valorização acontece, jogam com ela das mais diversas maneiras. Declaram, quando inquiridos, a sua satisfação em relação aos loteamentos”, (1991: 38).
Santos vai mais além ao considerar que o não cumprimento da lei e os loteamentos clandestinos, “ contam, para se efetivar, com a conivência do Poder Público (Prefeituras, Cartórios)”.
Pelo exposto, até aqui, conclui-se que por periferia tem-se em conta mais sua situação sócio-econômica do que espacial, e que os loteamentos irregulares e clandestinos embora apresentem semelhanças com outras formas de assentamentos populares, caracterizam-se por sua forma de produção imobiliária. O objeto central é, no âmbito do presente estudo, a resultante espacial destas operações econômicas que ocorrem ao largo da legislação, que se traduzem através de alguns indicadores que serão aqui chamados parâmetros urbanísticos, os quais se pretende estudar.
Neste sentido, um conceito importante a ser analisado é o de urbanização, já que pela ótica estritamente construtiva da questão, parâmetros urbanísticos são aqueles que estabelecem o grau de urbanização de um determinado assentamento. Observe-se que o conceito de urbanização pode simplesmente contrapor-se ao de espacialização da atividade rural ou, ainda, ao processo de migração campo/cidade. Encontra-se, ainda, esta expressão para definir o conjunto de
“bens públicos ou sociais criados para servir às unidades edilícias e destinados à satisfação das necessidades d’...os habitantes” (Silva, 1995 : 20).
Neste sentido, surge o termo urbanificação como processo deliberado de correção da urbanização4.
O aspecto tributário também reforça a ideia de ligar urbanização à existência de serviços públicos, já que o Código Tributário Nacional define zona urbana como aquela que possua, pelo menos, dois dos seguintes elementos: meio-fio, pavimentação, água, esgoto, iluminação pública, escola ou posto médico a menos de três quilômetros. Assim, pode-se avaliar a que se referem as propagandas de lotes periféricos quando anunciam lotes urbanizados ou lotes totalmente urbanizados, deixando perceber que a urbanização, nestes casos, pode existir com diferentes matizes.
Lote urbanizado, no sentido de lote com serviços, foi, até mesmo, nome de um programa oficial do extinto Banco Nacional de Habitação, o, à época, famoso PROFILURB.
Para efeito da presente dissertação, por urbanização entender-se-á o processo de modificação de uso do solo que ocorre em função de seu parcelamento e posterior ocupação e, assim, por parâmetros urbanísticos, o conjunto de relações espaciais que moldam esta alteração, isto é, os elementos que estruturam o espaço urbano: o fracionamento do terreno, o arruamento e a distribuição das áreas públicas5.
Observe-se que comumente as expressões índice ou coeficiente aparecem na legislação urbanística como similar a parâmetros, vale dizer, a
“propriedade que tem (algum corpo ou fenômeno) de poder ser avaliado numericamente” (Ferreira, 1975: 341). Segundo Silva (1982 :227),
emprega-se a expressão como “os institutos jurídicos da ocupação urbana”, ou ainda, “os instrumentos normativos com que se definem os modelos de assentamento urbano”.
No âmbito do presente estudo, entender-se-ão os parâmetros urbanísticos como os elementos que podem ser avaliados numericamente e que normalmente são exarados pela legislação própria. Em resumo, de que forma os elementos que, juridicamente, definem a ocupação urbana, apresentam-se quando esta ordenação legal inexiste, o que não faz com que desapareça nem os corpos nem os fenômenos, que acima chamamos de elementos que compõem o espaço urbano.
Notar-se-á que apesar do conceito de urbanização e, mesmo o de regularidade dos loteamentos, ter sido bastante associado à existência de serviços públicos, não se irá, contudo, tratar, aqui, deste aspecto, por entender-se que diversas intervenções do poder público nos loteamentos aqui estudados retiram a possibilidade de se ter os serviços públicos como características intrínsecas dos loteamentos irregulares e clandestinos, já que, ao longo do tempo, foram bastante alterados.
² A autora, baseando-se em Topalov e Ribeiro, identifica diversas formas de produção imobiliária a saber: produção não mercantil, na qual a predominância no processo de produção é o usuário e na qual o valor de uso sobrepõe-se ao valor de troca; a produção rentista, na qual a obtenção de uma renda é o motor do processo, o que determina o surgimento de aluguéis , seja de casas, seja do terreno, no qual um construtor produza casas para aluguel; a promoção fundiária, forma que melhor caracteriza o loteamento periférico, onde o proprietário exerce as funções de loteador, fracionando o terreno, provendo de infra-estrutura e vendendo os lotes. As duas outras formas pouco têm a ver com o objeto do presente estudo e são elas: a incorporação imobiliária e a produção sob encomenda do Estado.
³ Recentemente o Jornal do Brasil, publicou reportagem que sob o título “Invasão também gera lucros” apresentava casos em que organizadores de ocupação auferiam lucros com a operação. Num caso o organizador possuia um depósito de material de construção e vendia o material para as 300 casas do local.
⁴ Segundo José Afonso da Silva (1995 :21), o termo foi cunhado por Gaston Bardet para designar a aplicação dos princípios do urbanismo, advertindo que a urbanização é um mal, a urbanificação um remédio.
⁵ No Capitulo 5, discute-se quais os elementos que definem o espaço urbano e porque se elegeram estes três, no âmbito do presente trabalho.
CAPÍTULO 2
REVISÃO DA LEGISLAÇÃO
Neste capítulo, objetiva-se coletar e analisar a legislação que regulamenta a atividade loteadora, em termos gerais, nos três níveis legislativos, valendo observar que os parâmetros urbanísticos, propriamente ditos, serão abordados no Capítulo 5. Tradicionalmente, as leis municipais são os principais documentos que incidem sobre a matéria, no entanto, a partir de 1964, observa-se um paulatino esvaziamento do papel dos municípios e a conseqüente centralização do poder legislativo na União, culminando com a edição da Lei 6766 / 79, como se verá a seguir.
Os Estados, por seu turno, têm seu papel aumentado, principalmente, naqueles onde houve a criação de Regiões Metropolitanas6 (R.M.), organismos intermediários ente os Estados e os Municípios onde, de fato, observa-se a preponderância do poder estadual.
No caso do município do Rio de Janeiro, vale observar que sua R.M. foi criada somente após a fusão e que sua legislação inclui leis oriundas do Estado da Guanabara, outras foram criadas após sua transformação em Município, além de incidirem leis estaduais editadas após a criação do novo estado do Rio de Janeiro.
Historicamente, a regulamentação urbanística remonta aos primórdios da colonização portuguesa, podendo constituir-se em atitude simplificadora fixar nas leis oriundas do Estado Novo 7 (1937/45) a origem das normas urbanísticas no Brasil. De fato, tais regras existiam desde os primórdios na Colônia. Reis Filho (1968: 119) lembra que a ação reguladora das Câmaras “transparecia nas Posturas” observando que, em meados do século XVIII, a Câmara de Salvador já legislava sobre a aparência das construções. Já Silva (1995: 46) informa que, pela Constituição do Império, cabia às Câmaras prover, por suas Posturas, sobre os objetos de natureza urbanística, tais como alinhamento, limpeza, iluminação...”em benefício comum dos habitantes, ou para decoro e ornamento das povoações”.
Lembra ainda que foi através das leis imperiais de desapropriação que se delinearam as primeiras normas jurídicas urbanísticas e enumera as de 1826, 1836, 1845, 1855 e, já na República, a de 1890 e 1903.
O Decreto Lei 58, de 1937, contudo, se bem que tenha regulamentado a compra e venda de terrenos, não funcionou como instrumento regulador do parcelamento urbano, prova disto é que a maioria dos loteamentos irregulares existentes hoje no Município foi iniciada sob a regência deste decreto. O Decreto 58 / 37 tratava, de fato, de dar proteção dos direitos dos compradores de lotes a prazo (Lago, 1990: 42).
É bem verdade que as Constituições brasileiras, pelo menos até a 1969, asseguram a competência dos Municípios em
“tudo que respeitasse seu peculiar interesse, aí compreendendo a função urbanística local” (Silva, 1995: 48).
Durante o regime militar, porém, e, em particular até 1982, quando os Governadores voltam a ser eleitos por pleito direto, pode-se notar a tendência de centralizar-se a administração pública na União e nos estados, a partir da montagem de estruturas de financiamento também centralizadas.
Assim, vultosos recursos, oriundos do FGTS, são geridos pelo Governo Federal, destacando-se o SFH (política habitacional) e o PLANASA (política de saneamento básico), e a aplicação destes recursos privilegiava os estados, respectivamente, através das CEHABs e Companhias Estaduais de Água e Esgoto.
Formam-se as Regiões Metropolitanas, em 1973, e dois anos mais tarde é promovida a fusão dos estados do Rio de Janeiro e Guanabara, através da Lei Complementar n 0 20 / 74, que cria também a R.M. do Rio de Janeiro (RMRJ) e seu Fundo Contábil, com significativa preponderância do Estado em sua gestão.
A partir daí inicia-se um processo de limitação do “peculiar interesse” municipal, em matéria urbanística, em prol da coexistência metropolitana. Assim, em 1979, são editadas diversas leis federais de caráter urbanístico, destacando-se a Lei 6766/79, que dispõe sobre a atividade loteadora, mas também a Lei 6803, que trata da localização industrial. Em ambos os casos as R.M. saem fortalecidas, vale dizer, o Estado que, como já se disse, é o poder preponderante nas R.M. que, como instância intermediária não lograram se estabelecer, de fato.
Assim, a Lei 6766 consubstanciou-se na primeira lei federal a, de fato, legislar sobre questões urbanísticas, o que desencadeou um reclamo nacional, por parte das municipalidades, quanto a sua constitucionalidade. Por outro lado, a nova lei deu a elas a possibilidade de desencadear o processo de regularização de loteamentos, ressarcindo-se das despesas que viessem a fazer. Ela previu, ainda, disposições penais para os loteadores ilegais, tornando-os passíveis de prisão8 ,como também dispõe detalhadamente dos processos de registro do loteamentos, contratos de compra e venda e procura dar maiores garantias ao adquirente.
Sob o ponto de vista, estritamente urbanístico, como se verá no Capítulo 5, dedicado aos “Parâmetros Urbanísticos e Habitabilidade”, de forma mais detalhada, a Lei 6766/79 dispõe sobre localização dos loteamentos, a necessidade de doação de áreas públicas e a adequação dos equipamentos públicos às densidades. Pode-se, contudo, se dizer que sua principal disposição sobre matéria urbanística tenha sido a criação de um lote mínimo de 125 m2 , já que as demais têm caráter bastante genérico. Além disto, a Lei 6766/79 colocava sob aprovação da entidade metropolitana os loteamentos com área superior a um milhão de metros quadrados...
Os estados, por seu turno, geralmente, apresentam normas de caráter geral, mas que também incidem sobre a atividade loteadora. Mukai, (1980: 8) entretanto, comentando a Lei 6766/79, informa que no Estado de São Paulo, decreto estadual determinou comprimento das quadras, larguras das ruas, áreas mínimas para equipamentos, frente mínima de lotes, sob a argumentação de que os loteamentos, além das exigências urbanísticas “deve-se ter em mira as disposições de ordem sanitária”. No caso de Estado do Rio de Janeiro não ocorreu nada similar. Mais de seis anos depois da promulgação da Lei 6766/79, o Estado do Rio de Janeiro edita a Lei 1130/ 87 que define as áreas de interesse especial do Estado e dispõe, a exemplo da Lei 6766/79, sobre os imóveis de área superior a um milhão de m2 , além daqueles localizados em áreas limítrofes de municípios, para efeito de exame e anuência prévia de projetos de parcelamento do solo para fins urbanos. Contudo não fixa parâmetros ou delimita as citadas áreas, adiantando que seriam estabelecidas por decreto, o que de fato nunca foi feito. Observe-se, ainda, que o próprio órgão metropolitano no Estado do Rio de Janeiro foi extinto na gestão Moreira Franco (1986 /90), consubstanciando-se no único caso no Brasil.
As leis ambientais, por seu turno, que também começam a ser editadas por esta época, centralizam nos órgãos estaduais as atividades de licenciamento de atividades poluidoras, não só indústrias, mas as mais diversas, inclusive, loteamentos que, acima de 1 milhão de m2 deveriam passar pelo processo de EIA-RIMA. No caso do Estado do Rio de Janeiro depende da anuência do sistema FEEMA, órgão técnico, e CECA, normativo.
Assim, a legislação municipal continuou sendo o conjunto de normas que, mais efetivamente, regula a atividade loteadora o que, no caso da Cidade do Rio de Janeiro, remonta, na fase mais recente, à legislação do Distrito Federal (Dec.6000/37, já revogado), do Estado da Guanabara (Dec. 3800/70, ainda vigente, no que tange aos parcelamentos - RPT) e da municipalidade criada após a fusão, principalmente o Dec. 322/76, criando novo Zoneamento.
Pode-se, assim, observar que a legislação carioca é bastante complexa9 . Há leis gerais, como o citado Dec.322, que incidem sobre a totalidade do território carioca, porém outras de caráter local sobrepõem-se a ele, como os PEU10, alterando suas disposições. Leis de cunho ambiental criam áreas de preservação com parâmetros próprios, assim como as que definem ambiências de bens tombados.
Em resumo, de uma forma geral, os documentos legais que mais intensamente incidem sobre a atividade loteadora, são os seguintes:
Decreto “E” 3 800 de 20/4/70, institui o Regulamento de Parcelamento da Terra (RPT), dentre outros regulamentos;
Decreto 322 de 3/3/76, aprova o Zoneamento do Município do Rio de Janeiro;
Decreto 1321 de 25/11/77, estabelece normas relativas à edificações, grupamentos de edificações e urbanização aplicáveis a empreendimentos de interesse social, em particular nas AP 3 e 5 (Zona Oeste), complementando e, em alguns casos, alterando o RPT;
Decreto 5 648 de 30/12/85, que considerou áreas de interesse agrícola;
Decretos 7336 de 5/1/88, 7570 de 15/4/88 e 10426 de 6/9/91, que se referem especificamente a edificações residenciais multifamiliares.
Observe-se que, em 1988, com a nova Constituição Brasileira, houve necessidade de elaboração de novas constituições estaduais e leis orgânicas para os municípios e, assim, é editada a Lei Orgânica do Município do Rio de Janeiro, de 1990. Da mesma forma a nova Constituição Federal previa a elaboração de Planos Diretores para os municípios de maior porte foi elaborada a Lei Complementar n o 16 de 4/6/92, que aprovou o Plano Diretor Decenal da Cidade do Rio de Janeiro, e seus anexos foram definidos pela Lei Complementar n° 19.
Enquanto a Lei Orgânica, embora não faça referências explícitas à Zona Oeste, contem disposições sobre a atividade loteadora determinando obrigações no que tange à realização das obras de infra-estrutura. Por outro lado, em suas disposições transitórias, desce ao detalhe de requisitar para o Município áreas federais como o intuito de regularizar o loteamento Rolas, um dos loteamentos inscritos no Núcleo de Regularização.
O Plano Diretor, por seu turno, dispõe que na Zona Oeste, os grandes vetores de crescimento do centro da Cidade serão consolidados (Art. 45), “bem como os vetores que se irradiam a partir de centros de comércio e serviços”. Este Plano, por se consubstanciar mais num grande elenco de intenções do que num instrumento de gestão, é por vezes ambíguo pois na mesma medida em que vê a Zona Oeste como área de expansão, determina em suas diretrizes específicas para aquela Zona que dever-se-á dar proteção às atividades agrícolas “de modo a evitar a extensão da malha urbana” (Art. 71). Por outro lado aponta a “faixa de território compreendida entre o lado ímpar da Avenida Brasil e a linha ferroviária” como prioritária para ocupação urbana, área que de fato não possui atividade agrícola significativa, mas aonde a ocupação é rarefeita. O Plano Diretor prevê, ao todo 27 medidas específicas para a Zona Oeste que tratam desde questões absolutamente gerais como “incentivo à localização de atividades geradoras de emprego...” até a ligação dos bairros de Bangu e Campo Grande, “através de túnel ou outra via”, ou ainda, “prioridade para a construção de hospital público especializado em atendimento infantil...”, assuntos que parecem responder a demandas específicas e circunstanciais.
Com relação à atividade loteadora, o Plano Diretor cria um Capítulo dedicado à Política Habitacional e nele, prevê a criação de Áreas de Especial Interesse Social (AEIS), onde se enquadram os loteamentos objeto deste estudo. Estes, por sua vez, são objeto de uma subseção onde é previsto o “Programa de Urbanização e Regularização Fundiária de Loteamentos de Baixa Renda”, “coordenado por núcleo de regularização, grupo de trabalho de caráter permanente com representantes das comunidades envolvidas, mantido pelo Poder Executivo, com atribuições e composição fixadas em regimento interno”. Deste Núcleo, e seu estágio atual, tratar-se-á no Capítulo IV, do presente trabalho.
As AEIS, contudo esperaram mais dois anos para serem regulamentadas, o que ocorreu através da Lei 2120/ 94, seu principal arcabouço legal e que permite a sua regularização. Vale ressaltar, mais uma vez que, estes documentos legais, no que se refere ao detalhamento de suas disposições e que incidem sobre a formação de parâmetros urbanísticos, encontram-se minudenciados no Capítulo V- “Parâmetros Urbanísticos e Habitabilidade.
Finalmente, cumpre esclarecer que, em 1995, por iniciativa da Prefeitura, porém organizado por um “Consórcio Mantenedor” de caráter privado, foi realizado o “Plano Estratégico da Cidade do Rio de Janeiro” cujo objetivo explícito era tornar o Rio de Janeiro uma metrópole empreendedora e competitiva, “com capacidade para ser um centro de pensamento, de geração de negócios para o País e a sua conexão privilegiada com o exterior”. Para tanto reuniu uma ampla gama de atividades que, por vezes ultrapassava, em muito, o território carioca, como “construir a alça nordeste do anel ferroviário de São Paulo, ... , permitindo o contorno da Região Metropolitana de São Paulo e o tráfego de mercadorias oriundas da região Oeste do país” (pg. 84), ou, ainda, a esfera administrativa, ao se propor a “desmilitarização da Polícia Militar” (pg. 61), por exemplo.
A Zona Oeste, contudo, encontra no Plano Estratégico diversas ações que se integram a seus objetivos como o desenvolvimento de novas centralidades, a despoluição da baía de Sepetiba e a criação de um Pólo ecológico da Zona Oeste, incluindo um “novo zoológico de concepção moderna”, na Pedra da Panela, “em Sepetiba”11.
É no campo dos transportes e do sistema viário que a Zona Oeste é, de forma explícita, mais citada no Plano Estratégico, através da requalificação da malha urbana, da implementação de sistema cicloviário, da estruturação de corredores de transporte e da revitalização dos corredores ferroviários.
No campo habitacional o Plano Estratégico propõe a criação do Programa Favela - Bairro, a desfavelização das áreas de risco, a contenção ao crescimento das favelas e um plano de habitação popular “destinado a melhorar a oferta de imóveis residenciais”. Propõe ainda a recuperação de conjuntos habitacionais degradados. Aparentemente os autores do Plano não incluíram a questão “loteamentos irregulares e clandestinos” entre suas preocupações. Cabe ressaltar que o Plano Estratégico, ao contrario do Plano Diretor, não possui força de lei e, de certa forma encontra-se deslocado no presente capítulo dedicado, como se viu, à revisão da legislação. Ocorre que, na medida em que este Plano foi apresentado como o resultado de um consenso social, tendo sido até mesmo aprovado por um organismo intitulado Conselho da Cidade, o que segundo os autores “expressa a coresponsabilidade de toda a sociedade com o conjunto de objetivos e ações” nele contidos, entendeu-se, como apropriado, incluí-lo nesta parte do presente trabalho.
Apêndice
Após a conclusão da presente dissertação, tramitou no Congresso, a Lei 9785/ 99, já sancionada pelo Presidente da República, que altera alguns dos artigos da Lei 6766/ 79.
No que tange a este trabalho, as principais alterações da nova lei são os seguintes:
A eliminação da exigência de doação de 35% de áreas públicas: que passa a ser definido por legislação municipal.
As áreas e equipamentos públicos que antes eram proporcionais às densidades passarão a ser definidos por plano Diretor municipal.
O prazo de obras aumenta de 2 para 4 anos.
A infra-estrutura básica continua sendo obrigação do loteador, no entanto, nas “Zonas habitacionais declaradas por lei como de interesse social, a infra-estrutura constará no mínimo de vias de circulação, escoamento das águas pluviais, rede para abastecimento de água potável e soluções para o esgotamento sanitário e para energia elétrica domiciliar. A novidade no caso, repousa em substituir rede de esgoto por solução para esgotamento.
Retira do Estado a possibilidade de examinar loteamentos com área acima de 1 000 000 de m2 .
⁶ Nos estados do Rio Grande do Sul, Paraná, São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais, Bahia, Pernambuco, Ceará e Pará foram criadas RM tendo como pólos suas respectivas capitais.
⁷ De fato, este periodo é pródigo na ediçào de leis, até porque eram feitas pelo executivo. Data daí, não só o Decreto que regulamenta a atividade loteadora, mas documentos tão distintos quanto a lei que cria o Patrimonio Histórico Nacional e o Código de Obras do Distrito Federal. Mesmo a Constituição Federal foi reescrita pelo executivo.
⁸ Lago, informa que a Associação Nacional dos Empresários de Loteamentos teria sido favorável à Lei 6766, “... ao definir o prazo de dois anos para execução das obras, tenderia a retirar do mercado o pequeno loteador, que depende de infinitas prorrogações de prazos e, portanto, das infinitas irregularidades” (47)
⁹ “ A questão fundiária no Rio é regida por 400 leis diferentes, sendo que só três permitem alguma flexibilidade na regularização de habitações de baixa renda. Sabemos que há muitos loteadores honestos, mas a buerocracia da legalização é tão grande que eles preferem optar pela clandestinidade”, diz Hélia Nacif, Secretaria Municipal de Urbanismo, no Jornal do Brasil, de 14 de setembro de 1997.
¹⁰ PEU Plano de Estrutura Urbana. No caso da área em estudo alguns bairros, como os Bangu, realengo e Padre Miguel, reunidos numa UEP ( Unidade Espacial de Planejamento) já possuem PEU vigindo. Campo Grande e bairros vizinhos dispõem de um já elaborado, mas ainda em discussão na SMU.
¹¹ Vale esclarecer que este singular acidente geográfico localiza-se, em verdade, na Barra da Tijuca
CAPÍTULO III
A ZONA OESTE
O objetivo do presente capítulo é descrever a área de estudo, a Zona Oeste do município do Rio de Janeiro, sob o ponto de vista físico, demográfico e de sua infraestrutura, além de identificar as recentes ações das autoridades municipais neste setor . Para efeito do presente trabalho, a Zona Oeste é a área ocupada pelas Regiões Administrativas de Bangu, Campo Grande, Guaratiba e Santa Cruz, também conhecida, pela denominação oficial do Município, como Área de Planejamento 5, a AP512. Localizase, quase que totalmente13, na bacia da Baía de Sepetiba, uma das três principais bacias hidrográficas que formam o território carioca. A área desta bacia, neste Município, é de cerca de 486 km2 , porém, das três, é a que apresenta a menor extensão de litoral, apenas 54 km. Esta costa é composta principalmente de mangues e por poucas praias, das quais as mais importantes são as de Sepetiba e Pedra da Guaratiba, onde localizam-se núcleos costeiros. A partir da costa, estende-se uma grande baixada, cujos limites naturais são, a leste, o maciço da Pedra Branca e de Gericinó, ao norte. A oeste, avança sobre os municípios de Itaguái e Seropédica, encontrando os contrafortes da Serra do Mar.
Nesta planície, encontra-se um contraforte montanhoso que adquire várias denominações como Serra de Inhoaíba, Cantagalo e Capoeira Grande. Ele representa o divisor de água das principais sub-bacias, como a dos rios Cabuçu - Poraquê, Cachorros - Campinho e Cação Vermelho - Itá. Um pouco mais ao norte, encontra-se a serra da Paciência e foi neste vale, formado pelas duas serras, que se localizou a estrada de Santa Cruz e mais tarde a ferrovia. No trecho da Baía da Guanabara, destacam-se as sub - bacias dos rios Viegas - Sarapui e Piraquara - Maranga, afluentes do Pavuna.
A Zona Oeste foi, até poucas décadas, predominantemente rural e, a partir dos anos 50, sofreu um intenso processo de parcelamento de seus sítios agrícolas em loteamentos. É, desde então, a principal área de expansão de moradias populares, no Município do Rio de Janeiro, alcançando índices muito superiores aos do conjunto da cidade, como mostra a Tabela 1, abaixo. Nela, pode-se constatar que no espaço compreendido entre as duas últimas contagens de população (1991/96), a população da Zona Oeste foi acrescida de mais de 100 000 moradores, o que representou, nada menos de 128% de todo o crescimento populacional, ocorrido no município do Rio de Janeiro, no mesmo período. Claro está que isso só é possível pelo fato de que nas demais AP, à exceção da AP4, ter havido significativos decréscimos de população.
TABELA 1
POPULAÇÃO DE 1991 E 1996, PARTICIPAÇÃO NO INCREMENTO
DEMOGRÁFICO MUNICIPAL, POR ÁREA DE PLANEJAMENTO
MUNICÍPIO DO RIO DE JANEIRO
É, assim, a principal área de expansão da Cidade14 , o que representa uma verdadeira mudança em sua ocupação: mais do que se expandindo, a cidade estaria se transferindo, à cata de alternativas mais baratas de moradia. Tais tendências refletem-se também no número de favelados da região, como se pode ver na Tabela 2, abaixo, como no de moradores em loteamentos irregulares e clandestinos, como se verá oportunamente.
TABELA 2
POPULAÇÃO FAVELADA POR ÁREA DE PLANEJAMENTO.
MUNICÍPIO DO RIO DE JANEIRO
1980 - 1991
Assim, pode-se observar que a Zona Oeste se, em 1991, última contagem de habitantes em favelas, que se fez no Rio de Janeiro, ainda tinha apenas 12,5% dos favelados da cidade, este número representava, entretanto, um aumento de quase 45% em relação a 1980, percentual só suplantado pela AP 4 e que representou um aumento do número absoluto em mais de 53 000 favelados, ou seja, mais de 20% dos favelados do Rio de Janeiro já moravam na Zona Oeste.
Como se verá no Capítulo específico, o percentual de moradores em loteamentos irregulares e clandestinos, na Zona Oeste, é, entretanto, bem maior que o de favelados. A estrutura urbana da Zona Oeste é resultado dos processos históricos de ocupação, como se verá oportunamente, fortemente influenciada pela estrada de ferro e pelo sistema de vias radiais que partem das estações. Os principais bairros são os que denominam as Regiões Administrativas de Bangu, Campo Grande e Santa Cruz, da qual se desmembrou, recentemente a de Guaratiba15. Os demais centros de bairros, secundários, também, se formaram, em torno de estações de trem, porém, as áreas mais afastadas destas, continuam, ao menos administrativamente, ligadas aos bairros principais, tornando-os unidades, territorialmente, enormes, e que incluem situações bastante diversificadas. O bairro de Campo Grande, por exemplo, inclui desde seu núcleo comercial, o maior da Zona Oeste, até remanescentes de áreas agrícolas.
A significativa alteração nos modos de transporte, ocorrida, não apenas naquela área, mas em todo o Brasil, marcada pelo abandono das ferrovias em benefício do transporte rodoviário, não levou, entretanto, a qualquer alteração estrutural, naqueles bairros. A tradicional estrutura radial, centralizada nas estações, chocou-se com os novos padrões de deslocamento que os ônibus determinaram, isto é, a linearidade formada entre a Zona Oeste e o centro do Rio, ao longo da Av. Brasil, que se torna o principal corredor de transporte da região. Embora hiper - utilizada, apresenta, entretanto, pequena ocupação lindeira, o que ocorre, sobretudo, ao longo das vias radiais. A construção da Av. Cesáreo de Melo, interligada à Av. Santa Cruz, a antiga Estrada Real, criou uma alternativa, ao sul do leito ferroviário, esta, sim, bastante ocupada.
Assim, observa-se que um sistema que atendia, inicialmente, a uma demanda rural, transformou-se no principal arcabouço viário, para a expansão da cidade, consubstanciando-se em algo bastante inadequado pois, de fato, o processo de loteamento da região se deu, principalmente, sobre um sistema viário, não estruturado e destituído de uma hierarquia clara. Os loteamentos se sucedem e seus sistemas internos de ruas vão se articulando e formando, de forma assistemática, a nova malha viária. Um forte indicador da inadequação dos atuais padrões viários da região pode ser a comparação dos tipos de logradouros existentes na Área de Planejamento 2 ( AP 2) e a RA de Campo Grande. Enquanto a primeira dispõe de 82 avenidas para 1059 ruas, Campo Grande , com mais do dobro de ruas- 2423- apresenta apenas 48 avenidas. Em contrapartida possui, nada menos que 63 logradouros classificados como estradas.
A área objeto do presente estudo abrange usos e padrões de ocupação, bastante diversificados, tanto morfológica como tipologicamente. Da mesma maneira, coexistem construções de porte e padrões variados, ainda que já se possam observar claras distinções quanto à localização espacial.
Com relação ao uso residencial pode-se identificar três grandes tipos de áreas. A primeira, de mais alto padrão, próximo aos centros de Bangu, Campo Grande e Santa Cruz, onde somam-se novos empreendimentos voltados para população de renda média, tanto uni como multifamiliares. Um segundo setor habitacional caracteriza-se por residências de padrão baixo e loteamentos unifamiliares e encontram-se, principalmente, em locais como Inhoaiba, Padre Miguel e Vila Kennedy. Por fim, um terceiro tipo de área residencial, que, por sinal, vem se tornando mais raro, é aquele caracterizado pela baixa densidade predial, áreas ociosas e com pequenas lavouras e pastagens. Ocorrem, principalmente, ao longo das estradas que ligam Campo Grande às áreas de Magarça e Cachamorra, em direção a RA de Guaratiba, e entre Santa Cruz e Sepetiba, como também ao norte da Av. Brasil.
Os loteamentos irregulares e clandestinos, como se verá no Capítulo VII, não se caracterizam por sua localização específica, concentrando-se contudo, em sua maior parte, na RA de Campo Grande, em particular, no terceiro setor habitacional, acima referido.
Nas décadas passadas, pode-se identificar significativas iniciativas oficiais de localizar-se na Zona Oeste, conjuntos habitacionais para a população de baixa renda, iniciando-se com as pioneiras Vilas Kennedy e Aliança, até conjuntos gigantescos como Dom Jaime de Barros Câmara, em Padre Miguel, Antares e Cesarão, em Santa Cruz. Em Campo Grande, embora não se possa dizer que foram construídas habitações oficiais em número desprezível, (6800 unidades), é, entretanto, muito inferior ao construído nas vizinhas RA de Bangu e Santa Cruz, que juntas abrigam mais de 50 000 unidades.
O uso comercial concentra-se, principalmente em torno da estação de Campo Grande, (ao longo do chamado calçadão e próximo ao terminal rodoviário), principal centro comercial da Zona Oeste, e também em torno das estações de Bangu, Santa Cruz e secundariamente nas demais. Fora destes centros tradicionais, ao longo da Estrada do Mendanha, foi construído um shopping-center, o “West Shopping Rio”. O uso industrial caracteriza-se por forte dispersão de estabelecimentos pequenos e médios que se mesclam à malha urbana, mas também pela intensa concentração de grandes empreendimentos, resultado de políticas oficias de transferência e atração de indústrias, inicialmente , pela COPEG, e depois pela CODIN, fazendo surgir os Distritos Industriais de Santa Cruz, Campo Grande, Paciência e Palmares. Tais políticas fizeram surgir outros estabelecimentos de porte, fora dos distritos, o que valeu a criação, por lei estadual, de diversas ZUPIs - Zona de Uso Predominantemente Industrial. Nestas áreas, embora sua ocupação seja ainda esparsa, localizam-se algumas industrias de porte, destacando-se a Valesul e a COSIGUA, em Santa Cruz, e a Michelin, em Guaratiba. A primeira delas gerou a iniciativa, por parte da Prefeitura, de localização de um Pólo de Alumínio, vizinho à sua planta, que não prosperou.
Há, entretanto, vários e significativos projetos industriais para a região, destacandose a nova fábrica da Brahma, e a ampliação da Itacan Bebidas. Certamente com a abertura definitiva do porto de Sepetiba, as atividades industriais poderão sofrer novo impulso na área.
Quanto aos usos não urbanos, além das áreas de uso agropecuário, já aludidas, deve-se considerar as áreas ocupadas pelas serras e maciços, que já apresentam evidentes sinais de desmatamento e cuja ocupação, urbana ou não, é imprópria, seja pela declividade acentuada, ou por fatores ambientais. Os maciços, contudo, abrigam parques estaduais, administrados pelo IEF (Instituto Estadual de Florestas), que, em particular o da Pedra Branca, vêm merecendo projetos de reflorestamento.
A infra-estrutura da Zona Oeste é bastante precária, malgrado vultosos investimentos públicos, principalmente nas duas últimas gestões municipais. Atualmente, a Prefeitura está realizando um ambicioso programa de macro-drenagem que, para toda a Zona Oeste, envolve recursos da ordem de 70 milhões de reais, e que procura adequar a região para assumir seu novo e crescente papel como área de expansão urbana. Observese, contudo que a Zona Oeste não obteve um programa de despoluição como o da baía da Guanabara, nem se mostra atraente, no que tange ao saneamento, a investimentos privados, como a bacia de Jacarepaguá, onde se localizam as áreas de expansão de alta renda. Assim, não obstante o significativo crescimento da região, não se vislumbra qualquer programa de recolhimento e tratamento de esgotos domésticos. Da mesma forma, o abastecimento de água, malgrado a vizinhança da Estação de Tratamento de Água do Guandu, principal fonte de abastecimento de água da RMRJ, é, ainda, bastante precário. Tal afirmativa pode ser corroborada, ao se analisarem os dados do Anuário Estatístico do Rio de Janeiro, 16 comparando-se os dados relativos ao abastecimento de água na AP5 e no conjunto da cidade do Rio de Janeiro. O volume de água consumido por unidade, na Zona Oeste, é inferior ao da cidade - 101 m3 / economia contra 107, média da cidade do Rio de Janeiro embora o número de habitantes por domicílio seja, significativamente, maior, na Zona Oeste: 4,27, lá, e 3,53 no Rio de Janeiro. Da mesma forma, o volume consumido por habitante é inferior na Zona Oeste, 23 contra 30 m3 / hab. Observe-se que, caso esta comparação fosse feita com outra áreas da cidade, como alguns trechos das AP 2 e 4, que abrigam as parcelas abastadas da população, certamente, esta disparidade mostrar-se-ia bem mais evidente.
De toda forma, observa-se algumas ações do poder público municipal de minorar as carências da região. As ações urbanísticas na gestão do Prefeito Marcelo Alencar (1989- 92) caracterizaram-se por significativas intervenções na Zona Oeste, principalmente, no que tange às obras rodoviárias, destacando-se a duplicação das estradas do Monteiro e Mendanha. Muitos loteamentos foram beneficiados com obras de infra-estrutura e pavimentação. Durante esta gestão iniciou-se a negociação do empréstimo, junto à CEF, para as obras de macro-drenagem, já citadas.
A administração seguinte, do Prefeito Cesar Maia, (1993 / 96), desviou seu principal foco de atenção para outras áreas da cidade, notadamente a AP4 e os centros da AP2, estes, no âmbito do Programa Rio-Cidade. Naquela gestão, pode-se identificar as obras do Rio Cidade de Campo Grande e a elaboração do PEU daquele bairro, como iniciativas importantes na Zona Oeste, além do início do Programa de Urbanização de Assentamentos Populares (PROAP) com seus desdobramentos, Favela - bairro e Regularização de Loteamentos. No caso da Zona Oeste, este último item teve bem maior significado que o Favela - Bairro, tendo-se iniciado obras em loteamentos de grande porte como o Vilar Carioca e o N. Sra. das Graças.
A atual gestão vem dando continuidade ao Programa de Regularização de Loteamentos e também anuncia obras, no âmbito do Rio Cidade, em outros centros da região, como Bangu, Mal. Hermes e Santa Cruz.
¹² O município do Rio de Janeiro é dividido em cinco Áreas de Planejamento, (AP). A AP1 corresponde ao centro da cidade; a AP2 às Zonas Sul e Norte; a AP3 aos bairros que margeiam as estradas de ferro, na bacia da baía da Gunabara; a AP4 à baixada de Jacarepaguá e, finalmente a AP5 que, como se disse acima, compreende a Zona Oeste.
¹³ Exceto por um trecho, na RA de Bangu, que se encontra na bacia da Baía de Guanabara.
¹⁴ Observe-se que a Baixada Fluminense é ainda a área que maiores contingentes populacionais assimila pois, no mesmo período, recebeu mais 180 000 habitantes, ou seja, um crescimento 2,5 vezes superior ao do Rio
¹⁵ Guaratiba apresenta uma ocupação bastante distinta das demais, cujas características fogem, inteiramente, ao conteúdo do presente trabalho. É uma área marcada pela presença de extensas áreas de reserva, ocupadas por diferente órgão públicos, por alguns núcleos costeiros e, ainda, por grande número de sítios. A existência de loteamentos na área é resultado do avanço de Campo Grande e Santa Cruz , porém, como se verá oportunamente, apenas um deles foi incluído na amostra aqui utilizada. Desta forma esta RA pouco será mencionada no decorrer desta dissertação.
¹⁶ IPLAN RIO- 1995
CAPÍTULO IV
FORMAÇÃO HISTÓRICA
Neste capítulo, pretende-se demonstrar os fatores que determinaram a estruturação urbana da Zona Oeste e, em particular, o surgimento do processo que resultou nos loteamentos, objeto do presente trabalho.
Como se verá a seguir, pode-se destacar como determinantes, os seguintes aspectos:
1 - a instalação do ramal de Santa Cruz¹⁷, e suas respectivas estações;
2 - o sistema radiocêntrico de estradas de rodagem, que unia as áreas de produção agrícola à estação de trem mais próxima;
3 - o parcelamento da terra, inicialmente, em fazendas, e destas em sítios, originando as glebas que, no período seguinte serão loteadas.
Por outro lado, fatos ou processo que não trariam esclarecimentos à gênese da atividade loteadora, foram deixados de lado, no presente estudo, por se constituírem em variantes desnecessárias ao que se quer destacar, no presente capítulo.
Introdução
A Zona Oeste, embora localize-se, relativamente, próxima ao centro do Rio de Janeiro e, administrativamente, faça parte de seu território municipal, possuiu, até poucas décadas, perfil, basicamente rural, diferente, portanto, de outras áreas, também periféricas, próximas à Baía de Guanabara, que foram, logo, incorporadas, ao processo de suburbanização da metrópole carioca.
Prova disto, são exemplos como os de Nilópolis, município vizinho ao então Distrito Federal, que, já em 1914, era totalmente loteado (FUNDREM, 1977). A Zona Oeste, entretanto, somente após a Segunda Guerra Mundial, assiste ao fracionamento de seu território por loteamentos, só, então, estabelecendo com o centro do Rio, relações intraurbanas.
Os fatores que determinaram as diferenças evolutivas entre as duas baixadas, isto é, a da Guanabara, a leste, e a de Sepetiba a oeste, podem ser encontradas não só na distância relativa ao centro, como também, pela existência de grandes áreas militares que impediram a continuidade do crescimento do vetor oeste, depois da estação de Deodoro, já que o crescimento periférico do final do século XIX, ocorre ao longo dos ramais ferroviários. Cumpre destacar que ainda hoje, tais áreas, representadas pela Vila Militar ou o Campo de Instrução de Gericinó, ainda impedem a completa conurbação entre as duas grandes malhas urbanas.
Vale ressaltar que, mesmo quando o modo rodoviário de transportes começa a substituir o ferroviário, a Zona Oeste continuou, relativamente, isolada do Centro pois a Av. das Bandeiras, que criou um novo eixo de expansão da cidade, chega, em 1949, a Coelho Neto e Deodoro, em 1954 (Abreu, 1988, 121), desviando o ainda incipiente tráfego da antiga rodovia Rio-São Paulo, que se utilizava da Estrada de Santa Cruz, reforçando a ocupação urbana na bacia guanabarina. A abertura das rodovias Dutra e Washington Luís permitem, por sua vez, o avanço da malha urbana sobre os municípios vizinhos à capital, não mais se restringindo às margens das ferrovias.
Desta forma, a expansão urbana da Zona Oeste deu-se através da expansão dos núcleos existentes em torno das estações de Bangu, Campo Grande e Santa Cruz, e não pelo simples avanço do centro do Rio. É evidente, por outro lado, a conjugação entre um processo e outro pois,
“... o estabelecimento destes vetores regionais de expansão só existem conjugados com o processo de crescimento da Região Metropolitana do Rio de Janeiro, como um todo, e não em função de fatores endógenos a cada um dos núcleos regionais que, quando param de suprir o Centro metropolitano de produtos agropecuários, passam a desempenhar funções de residência, centros industriais ou subcentros” (SEDUR ,1990, I-121).
Visando a melhor compreensão do processo de parcelamento da terra para fins urbanos na região, far-se-á uma pequena retrospectiva histórica de sua ocupação.
Primeiras Ocupações
As primeiras ocupações, na região em estudo, integradas ao processo de colonização européia, datam ainda do século XVI, quando as áreas em torno do Rio de Janeiro se vêem transformadas em plantações de cana-de-açúcar, cultura que dominou a região até meados do século XIX, (Galvão, 1962). Santa Cruz foi colonizada, a partir de 1589, quando os jesuítas receberam metade de suas terras, e ali instalaram grande fazenda “consideravelmente ampliada no século seguinte com a aquisição de glebas contíguas” (Galvão, 1962, 174). A ligação desta fazenda com o Rio era tão significativa que faz surgir a estrada de Santa Cruz, mais tarde Estrada Real, “que foi o principal caminho terrestre da cidade” ( SEDUR, 1990, I-125) Maria Graham que o percorreu em 1823, portanto após a expulsão dos jesuítas, encontra a fazenda incorporada à Coroa, chamando-se Palácio de Santa Cruz e conta que “a vista das extensas planícies de Santa Cruz, com os rebanhos de gado, é magnífica. Os pastos estendem-se por muitas léguas de cada lado do pequeno morro em que estão o Palácio e a povoação” ( Graham, 1956, 319).
Campo Grande e Bangu, por seu turno, também áreas, inicialmente, ocupadas por fazendas, tiveram seu povoamento iniciado em torno da Capela, onde hoje encontra-se a fábrica Bangu, que, somente em 1889, adquiriu diversas propriedades que chegaram a representar quase 40 milhões de m2 , sem no entanto deixar de, ali, explorar atividades agropecuárias¹⁸.
Com o advento do café, arruinam-se as lavouras canavieiras. O café, ao contrário da cana, plantada na baixada, foi introduzido nos maciços da Pedra Branca e Mendanha e demais serras da região, mas foi, logo, suplantado pela produção do vale do Paraíba, assim como a cana já o havia sido pela produção açucareira de Campos, seguindo-se, assim um período de estagnação econômica: “...pequenas lavouras de subsistência foram em fins do século passado e início deste as únicas atividades da população rural do sertão carioca.” (Galvão, 1962, 175).
O Século Vinte
Após este período de estagnação a região conhece um rápido período de progresso com a introdução da fruticultura. Pode-se identificar que se configura um esforço oficial em substituir as lavouras de cana e café pois “estimulavam-se exposições, conferências, concursos e editavam-se publicações diversas com o objetivo de fazer uma fase econômica que sucedesse a da cana e do café” (Pereira, 1977, 114), referindo-se ao governo de Nilo Peçanha que, antes de Presidente da República já o havia sido da Província do Rio de Janeiro, onde procurou apoiar a citricultura. Segundo Segadas Viana (Pereira, pg.115)
“durante o seu governo , como Presidente da república, foi estabelecida a reciprocidade de direitos aduaneiros sobre frutas entre o Brasil e a Argentina (1909), medida de maior importância”.
A partir da década de trinta, porém, a citricultura ganha impulso na Zona Oeste favorecida por condições de mercado externo: “A Inglaterra compra cerca de 75% de toda a exportação... A venda da laranja brasileira na Europa é facilitada, porque pode entrar nos mercados na ocasião em que escasseiam as colheitas dos outros países produtores” (Góes, 1939 - 67), como também pelas obras que Getúlio Vargas realiza não só na bacia de Sepetiba como em toda a área que intitulam Baixada Fluminense, isto é, o território que vai de Itaguaí à foz do Paraíba, em São João da Barra.
Este grande programa de saneamento procurou resolver os históricos problemas de inundação da região através da abertura de canais, construção de diques e desobstrução de rios, criando terras para agricultura e colonização¹⁹ ;
“ O Governo incentiva esse renascimento com a instalação de núcleos coloniais. Na bacia do rio Guandu-Assú, onde a União possui grandes áreas, procedeu-se à divisão em lotes, construindo-se uma casa modesta em cada um deles, onde os colonos se instalaram com suas famílias.(...) No Núcleo Colonial de Santa Cruz, instalaram-se, recentemente, trinta famílias japonesas, que iniciaram o plantio de grandes hortas para abastecer a cidade do Rio de Janeiro” (Góes, 58)²⁰
Assim, o somatório dessas ações dá início, também na Zona Oeste, a um novo ciclo econômico, a citricultura, que, após a década de trinta, determina uma atividade intensa na região: “verdadeiro rush foi então deflagrado com enorme corrida pela posse de “terras para laranjais”(Galvão, 180). Mesmo Bangu, onde a fábrica que leva seu nome, estabelecida ali desde 1890, e dona de quase 4 000 ha de terras:
“... em 1936, Bangu exportava por safra 100 mil caixas de laranja pêra do tipo especial para Londres.” ( Azevedo Silva, 1989, 58).
Com a chegada da Segunda Guerra, porém, e a interrupção da navegação transatlântica, milhares de frutos apodreceram no pé, dando chance ao aparecimento da fumagina, praga que infestou os laranjais, comprometendo as safras futuras. Segundo Galvão (pg.184) a área ocupada, em 1940, na região que ela denomina “sertão carioca”, era de 48 000 ha., passando em 1950 para 39 000 ha. Vale dizer, em dez anos, 9 000 ha desapareceram do registro de propriedades rurais.
De toda forma, do período agrícola que viveu a Zona Oeste, e que de alguma maneira, ainda subsiste, pode-se identificar os fatores importantes para a sua estruturação urbana, e que originam o processo de parcelamento da terra para fins urbanos, apresentado a seguir.
Gênese dos Loteamentos Irregulares
Neste item, além do processo histórico que, como se viu, redundou na formação de loteamentos irregulares e clandestinos , procurar-se-á, também identificar o movimento que gerou a Coordenação de Loteamentos e, posteriormente, o Núcleo de Regularização de Loteamentos que, por sua vez, redundou nos trabalhos ora em desenvolvimento na PCRJ que dão o material para a elaboração do presente trabalho.
Assim, como se viu no item anterior, a debacle da citricultura ofereceu condições para o parcelamento da terra para fins habitacionais, em particular, voltado para a população de baixa renda. Miranda (1984), analisando processo semelhante, ocorrido com os laranjais de Nova Iguaçu, diz que, no caso dos proprietários de chácaras ou fazendas, urgia recuperar o capital perdido na falência do cultivo, enquanto que, para os empresários imobiliários, o mercado fundiário da periferia significava segurança para o seu capital.
Na Zona Oeste, parece haver ocorrido um processo intermediário na transformação dos laranjais em loteamentos. Galvão (1962: 181) encontra no início dos anos 60, os laranjais loteados e vendidos, porém, abandonados e transformados em pastos.
Os terrenos da baixada de Campo Grande “encontram-se retalhados em pequenos sítios e arrendados ou cultivados a meia e terça por pequenos lavradores que procuram recuperar os laranjais ou, aos poucos , substituem-nos por plantações de aipim e chuchu, produtos mais interessantes que a laranja para o mercado do Rio de Janeiro.(...) a maior parte encontra-se abandonada. Seus proprietários, aguardando oportunidade de revendê-los, deixaram que se transformassem em capoeira ou pastos.” A descrição sugere muito mais um processo especulativo que um surto imobiliário em face de um vigoroso movimento migratório.
Miranda (1984 : 35).também localiza na década de 50 o período em que florescem os grandes loteamentos periféricos, entretanto, encontra razões para isso no crescimento da classe trabalhadora da metrópole, na escassez de moradia e no processo inflacionário que se fazia sentir na ocasião, o que “atraiu investimentos para o setor imobiliário devido à segurança que a posse de imóveis ou de terra, propriamente dita, representava para a acumulação capitalista no Brasil.
Galvão, dando continuidade à sua descrição do que ela chama “Sertão Carioca” informa-nos, ainda:
“A disponibilidade de grandes áreas baldias, cobertas de erva e capim, favoreceu...o desenvolvimento de uma pecuária leiteria a que se dedicam pequenos sitiantes, mas sobretudo operários ou pequenos funcionários públicos, residentes nos diversos núcleos urbanos ou bairros de Campo Grande ou Santa Cruz. A área de que dispõe essa população junto às residências é escassa (lotes de 10 x 20 m ou 20 x 30 m), porém suficiente para a construção de um estábulo onde se realiza a ordenha e onde o gado é recolhido à noite. Pastagens não faltam nos laranjais loteados...” (p. 181).
Galvão classifica estas atividades como temporárias: “enquanto seus proprietários se dispuseram a arrendá-las a pequenos lavradores” e sentencia: “O clima de especulação criado pela citricultura justifica essa situação”.
Lago (1990 :20) também identifica na década de 50 a época em que a Zona Oeste se transformou em um dos vetores de expansão da cidade, “desalojando assim os produtores agrícolas que não tinham direito sobre a terra, na medida em que eram, na sua maior parte, parceiros, assalariados ou arrendatários”, no que concorda com Galvão. Contudo, a se reconhecer o levantamento de 1962, realizado por Galvão, a expulsão dos arrendatários há de ter sido mais tardia, isto é, quando, de fato, o processo de parcelamento deixa de ter caráter especulativo e assume-se como real alternativa, para o assentamento da população de baixa renda.
Vale lembrar que, como se viu, anteriormente, a Zona Oeste fica, em comparação, com a Baixada Fluminense, relegada a uma ocupação posterior. Prova disto é que, em 1960, quando se realizou o primeiro Censo a levantar a população, dividida por RA, a população da Zona Oeste era de cerca de 460 000, enquanto os que quatro municípios²¹ que formavam, à época, a Baixada Fluminense, já abrigavam mais de 774. 000 habitantes.
Pode-se, assim, perceber que uma coisa é parcelar, a outra é ocupar! Lago (1990) ao pesquisar a produção fundiária regular informa que o crescimento da produção de lotes só ocorre a partir de 1940, alcança o apogeu em 50, para decrescer a partir daí, exatamente, quando a população passa a crescer aos saltos.
Desta forma pode-se imaginar que um dos fatores que levam ao surgimento de loteamentos irregulares seja exatamente este assincronismo entre parcelamento e ocupação, além dos mecanismos já apresentados no Capítulo 1.
Lago, aliás, usa a expressão “loteador por etapa” para caracterizar um certo tipo de empreendimento:
“ A sua estratégia de atuação obedece a uma série consecutiva de etapas, que possibilita a oferta destes lotes às camadas de baixa renda. Estas etapas são as seguintes: aquisição da propriedade, normalmente através de promessa de compra e venda; abertura de ruas e venda dos primeiros lotes através de contratos particulares; com estas vendas, obtenção de recursos para prosseguir as obras (galerias, meio-fio, arborização). No caso de ser a compra viapromessa de compra e venda, a quitação das prestações e a escritura definitiva poderá ser feita nesta fase. Porém, muitos loteadores permanecem apenas com a promessa. As vendas prosseguem juntamente com a aprovação do projeto e,por último, quando as obras são consideradas concluídas pela administração municipal, o loteador obtém o aceite. Muitas vezes porém isto não ocorre, permanecendo o loteamento irregular. No entanto, mesmo atuando de forma irregular, alguns loteadores por etapas freqüentemente obedecem às posturas municipais relativas ao desenho, visando uma possível regularização” (p. 105)
A autora informa ainda que a “produção por etapas” terá sido responsável por 60% dos lotes produzidos²² e que na década de 80 este tipo de produção praticamente desaparece. Coincidentemente, como se verá no Capítulo 8, após a edição da Lei Federal Lei 6766/79, a produção de loteamentos irregulares também “praticamente desaparece”, enquanto a de clandestinos dispara.
Ressalte-se que, se o número de lotes ocupados, em loteamentos irregulares, representam apenas 4% dos domicílios cariocas, este percentual alcança mais de 15%, ao se considerar somente a Zona Oeste, como se pode observar na Tabela abaixo:
LOTEAMENTOS IRREGULARES- DOMICÍLIOS E POPULAÇÃO
ZONA OESTE E MUNICÍPIO DO RIO- 1994
Observe-se que a questão continua apresentando aspectos dinâmicos: em 1985, o IPLAN-RIO estimava a existência de 427 loteamentos irregulares no Rio de Janeiro, dos quais 347, cerca de 80%, na Zona Oeste ( Coutinho, 1986). Atualmente, calcula-se que cerca de 320 000 habitantes, na cidade do Rio de Janeiro, tenham domicílio em 688 loteamentos irregulares, dos quais mais de 260 000 naquela região. (IPLAN, 1993)
O Núcleo de Regularização de Loteamentos
A magnitude do processo acima descrito fez surgir um forte movimento que reivindicava a regularização dos loteamentos: a Coordenação do Movimento de Loteamentos, criada “por volta de 1978, inicialmente contra os despejos arbitrários promovidos pelo loteadores inescrupulosos que além de despejar ameaçavam de morte” (Porto, 1995)23. O autor atribui, a esta coordenação, importante papel na formação da FAMERJ²⁴. A partir desta coordenação, formou-se, em 1985, inicialmente no âmbito da Procuradoria Geral do Estado, o Núcleo de Regularização de Loteamentos (NRL). Durante a Administração do Prefeito Saturnino Braga, através do Decreto 7290, o Núcleo foi transferido para a égide municipal. Segundo Porto, o Núcleo foi uma iniciativa pioneira pois, incorporava, de forma paritária, poder público e movimento. Assim, visando a penalização dos loteadores, a comissão definiu os encaminhamentos a serem tomados. A primeira medida foi o pagamento das prestações em juízo25. A segunda foi deslocar a responsabilidade das obras de urbanização para a Prefeitura. (Lago, 1990: 70). Em 1988, é destinada uma rubrica, no orçamento municipal, para obras de urbanização em 100 loteamentos inscritos no núcleo, inviabilizadas pelo processo que se tornou conhecido como “falência da Prefeitura".
Na Administração seguinte, a do Prefeito Marcelo Alencar (1989 -93) , segundo Porto, houve uma desativação não declarada do Núcleo, sob a alegação de que o morador não queria saber de títulos26 e sim, de “deixar de pisar na lama”. Fato é que o período foi marcado por um amplo conjunto de obras de urbanização nos loteamentos, sem no entanto regularizar qualquer um. Souza (1995: 125) acrescenta que tais obras não se realizaram por critérios definidos pelo Núcleo mas que dependiam mais da força de determinada associação junto a algum vereador, “reforçando as velhas práticas clientelísticas”. Em 1992, um Decreto Municipal determina que o coordenador do Núcleo será indicado pelo Prefeito. A administração de Cesar Maia ( 1993 - 97) foi marcada pela conquista de um empréstimo vultoso com o Banco Interamericano de Desenvolvimento, o BID, 300 milhões de dólares, destinado à aplicação em obras de urbanização de assentamentos populares: o PROAP, Programa de Urbanização de Assentamentos Populares, já apresentado no capítulo anterior, o que incluía, além dos loteamentos, as favelas. Estes fundos representaram, inicialmente, a formação de um grupo inter-secretarias, o GEAP, para formular uma política habitacional para o Município e, em seguida, a verba levou à própria formação de uma Secretaria de Habitação e, dentro da qual, uma Gerência de Regularização de Loteamentos.
Embora Porto considere as intervenções de Cesar Maia limitadas, algumas importantes contribuições foram feitas para a regularização de alguns loteamentos. Particularmente no âmbito legal, destacam-se a edição da Lei 2120/ 94, considerando os loteamentos inscritos no Núcleo, como Áreas de Especial Interesse Social (AEIS), ato que facilita as ações necessárias à regularização daqueles parcelamentos.
Anterior a ela, o decreto 12.207/93 já havia separado a divida fiscal da gleba primitiva, (IPTU) desvinculando-a dos lotes dos adquirentes, isto é, a dívida do loteador não se reproduzia mais, em cada um dos lotes, individualmente. Da mesma forma, o Provimento 06/94, que simplificou os procedimentos necessários ao registro dos PAL dos parcelamentos regularizados pelo município.²⁷
Souza (1995: 110)considera que a partir de 1993, o Núcleo foi fortalecido, “passando a influir no processo de regularização de loteamentos”. O Núcleo, atualmente, ainda conta com os loteamentos inscritos e considerados AEIS, muitos deles, em processo de regularização e alguns em obras, no âmbito do PROAP. Há uma nova casta de loteamentos no núcleo, os chamados pré-inscritos, que ainda não foram aceitos, em seu seio, e que, em teoria, depende de acordo entre o poder público e o movimento.²⁸
Hoje, mais que nunca, o movimento de loteamentos irregulares vive o aparente paradoxo de lutar pela titulação ou centrar os esforços na realização das obras. Certas lideranças chegam a afirmar que ter as obras descoladas do processo de regularização pode significar nunca mais regularizar coisa alguma, temendo a desarticulação do movimento e o desinteresse das autoridades. Porto, crítico das ações de governo, chama atenção para o fato de que “até agora (1995) um (loteamento) foi averbado” ²⁹.
Observe-se que é a ausência de obras que, em grande parte dos loteamentos, principalmente, os irregulares, impede a sua aceitação por parte da Prefeitura. Nestes casos, a realização das obras já é a condição suficiente para a regularização fundiária propriamente dita. Nos demais, houve a necessidade de aceitação de parâmetros urbanísticos contrários às leis vigentes e há , ainda, casos, em que , dificilmente, chegar-seá a uma solução, já que envolve situações jurídicas complexas. Para esses casos, a luta pelas obras, ao menos, garante a melhoria da qualidade de vida, nos respectivos loteamentos.
Atualmente, o Núcleoainda apresenta a característica de um organismo de formação paritária, isto é, de um lado a Coordenação, formada por representantes das diferentes secretarias da Prefeitura e concessionárias de serviços públicos, de outro lado o Conselho de Moradores, indicados pelos representantes de loteamentos, contemplando as diferentes AP, que formam a cidade. É interessante notar que algumas lideranças de loteamentos, mesmo após a regularização de seus próprios casos, continuam no Conselho, reconhecidas pelos demais, mantendo-se à frente do movimento. O Núcleo, como já se disse, vem recebendo novas inscrições, que antes de sua aceitação, são considerados pré-inscritos. A aceitação definitiva dependerá de estudos técnicos da própria Prefeitura e da concordância dos demais inscritos. A Prefeitura realiza três tipos de avaliação. A primeira, de caráter técnico, busca observar se o loteamento encontra-se em área de risco, ou que se impeça sua legalização. Avalia também o nível de ocupação buscando evitar que loteamentos recém abertos se beneficiem do Programa. Em seguida realiza a identificação fundiária e, finalmente, caracteriza o loteamento quanto a renda dos moradores. O Conselho de Loteamentos, por seu turno, avalia o grau de mobilização dos novos pretendentes. Do que pôde ser levantado, o Conselho não vetou nenhuma pretensão a novas inscrições, porém a Prefeitura terá sido mais rigorosa, nesta nova fase de atividades do Núcleo.
Em 1997, no intuito de instruir a escolha dos loteamentos para receberem as obras do PROAP, foi realizada a pesquisa de campo nos loteamentos inscritos no Núcleo, dando origem à amostra que será utilizada no decorrer deste trabalho, na qual figuram 103 loteamentos na Zona Oeste.³⁰
A pesquisa constou do preenchimento do formulário de cadastro do SABREN e da elaboração de plantas, constando do parcelamento e localização de equipamentos e redes e permitiu, ainda, que a posteriori, caracterizar os loteamentos inscritos no Núcleo, o que na época das primeiras inscrições não foi feito. Observe-se que, na amostra de loteamentos, utilizada neste trabalho, 12, dos 103 loteamentos estudados, são loteamentos pré-inscritos no Núcleo.
¹⁷ Também chamado ramal de Mangaratiba, pois, em determinadas épocas o trem atingia este núcleo urbano fluminense, com uma baldeação em Santa Cruz. Atualmente, este trecho encontra-se desativado.
¹⁸“As terras ... formavam um conjunto constituído pela Fazenda do Retiro, Fazenda Bangu, Sítio do Agostinho, dos Amarais....de um sítio na fazenda Guandu do Sena, três lotes na Fazenda do Guandu...as nascentes do rio da Prata do Cabuçu, além de outra terras no Viegas e no Rosário. ( Azevedo Silva, 1989; 22)
¹⁹ “Outro interessante plano de defesa contra inundações está sendo executado no curso inferior do rio Guandú-assu. Antes cogitou-se de evitar o alagamento dos Campos de Santa Cruz, com a construção dos canais Itá, Guandu e São Francisco, pelos quais aquele curso dágua ia ter ao mar. Verificou-se, mais tarde, que a capacidade deles era bastante insuficiente para conter as enchentes. pelo novo projeto, escolheu-se o canal de São Francisco, como principal escoadouro das cheias, sem entretanto abandonar os outros dois, Previu-se a construção de diques marginais ao longo do São Francisco e do Guandu-assu, desde o mar até a estrada de rodagem rio São Paulo, onde se enraízam... Na confluência do canal de São Francisco com o Guandu-assu, construiu-se uma barragem, de concreto armado. munida de adufas que permitem regular as águas que passam para os canais...”( Góes, 1939 - 37,38)
²⁰ O autor refere-se à antiga fazenda dos jesuítas, incorporada à Coroa e mais tarde à República, sob a denominação de Fazenda Nacional de Santa Cruz, que o governo divide em lotes estreitos e cumpridos, com cerca de 10 hectares cada um. (SEDUR, 1990, I-129)
²¹ Incluem-se os municípios de Duque de Caxias, Nilópolis, São João de Meriti e Nova Iguaçu, além dos diversos desmembramentos posteriores, deste último.
²² Citando Ribeiro, 1988 : “A Produção de Loteamentos na Zona Oeste”.
²³ Quanto a estas ameaças a revista da FASE (1986) diz explicitamente: “Alguns loteadores usam de extrema violência para atender a seus intresses de lucro. Quando os compradores resolvem reagir, são ameaçados de todas as formas. Inclusive de morte, como aconteceu em Vila dos Palmares, Campo Grande, quando um de seus líderes foi assassinado” (pg.7)
²⁴ FAMERJ - Federação das Associações de Moradores do Estado do Rio de Janeiro, que foi extremamente dinâmica e ativa nos anos 70 e 80.
²⁵ Entende-se por pagamento em juízo, o depósito em conta bancária, indicada especialmente para este fim, cujo levantamento só pode ser realizado, após o julgamento do mérito da questão que gerou a abertura do ajuizamento. O Núcleo de Regularização de Loteamentos, já em 1986, em sua cartilha, informava sobre a suspensão dos pagamentos aos loteadores e o conseqüente depósito das prestações no BANERJ, banco oficial do estado, na ocasião, em cerca de 70 locais, assim como o inicio das obras de melhoria em outros 24 loteamentos.
²⁶ Por título.entenda-se a escritura relativa à compra do lote e sua posterior averbação no Cartório de Registro de Imóveis (RGI)
²⁷ Secretaria Municipal de Habitação- “Programa de Urbanização e Regularização Fundiária de Loteamentos e Vilas”.pg.3
²⁸ Souza (1995) comenta a recusa do Núcelo em inscrever loteamentos cujos moradores têm renda mais lata. Certamente este não é o caso dos pré-inscritos.
²⁹ Isto é, levado a cartorio de registro de imóveis pra registrar o PAL e assim oficializar-se cada um dos lotes adquiridos.
³⁰ Os trabalhos foram contratados pelo IPLAN, para a SMH, e excutados pela firma AGRAR Consultoria e Estudos Técnicos, tendo sido coordenados pelo autor da presente dissertação.
CAPÍTULO V
PARÂMETROS URBANÍSTICOS E HABITABILIDADE
O Objetivo deste capítulo é a identificação dos elementos constituintes do espaço urbano que podem determinar parâmetros que permitam avaliar os loteamentos aqui estudados quanto ao nível de habitabilidade neles encontrado.
Após a identificação desses elementos, procurar-se-á realizar o cotejamento entre os parâmetros encontrados nos loteamentos e aqueles exarados pela literatura específica, em particular, manuais urbanísticos e os constantes da legislação, em vigor. Neste sentido, o fato de se comparar loteamentos irregulares com as normas que definem a regularidade, deixa implícito que atender à legislação pressupõe a garantia de um bom nível de habitabilidade, o que, naturalmente, não é uma afirmação irrefutável. De toda forma, constituem-se nos parâmetros oficiais e sua desobediência é, em parte, a causa do surgimento de tantos loteamentos irregulares e clandestinos.
A estrutura do espaço urbano pode ser entendida sob diversos elementos pois como lembra Santos (1988 :67):
“A estrutura de uma cidade é sua sintaxe espacial. Os espaços se articulam em muitos padrões que nada mais são que a combinação estilística de elementos fundamentais. Frases com seus sujeitos e predicados narrados através de espaços conectivos, sublinhadas por orações adjetivas e adverbiais”
A identificação dos “elementos fundamentais”, referidos por Santos, acima, pode ser feita de forma diferenciada, dependendo-se da análise que se queira realizar. Assim, o espaço urbano pode ser entendido através da dicotomia entre espaços públicos e privados, caso se tenha a propriedade do solo como principal parâmetro. Ou, na hipótese de ter-se a utilização destes espaços como referência, o uso coletivo, diferenciando-o do que é público, ou individual, que não necessita ser, necessariamente, privado, com suas possíveis gradações, semi-público, semi privado, passam a ser os parâmetros de análise. Neste caso, diferenciam-se uso público de uso do público (Panerai, 1994)³¹.
Para Santos e Vogel (1981: 13), por sua vez, “Há dois tipos principais de espaços nas nossas cidades: o construído, fechado e, em maior ou menor grau, privatizado (ex.- casas, lojas, fábricas, oficinas, escolas, bares), e o aberto e de uso coletivo (ex.- ruas, becos, largos, praças, jardins públicos, praias”. Entretanto, segundo os mesmos autores, a população “reverte os significados dos espaços que lhe são impingidos”, vale dizer que espaços juridicamente públicos podem ser “privatizados”, a partir do uso que se dê a ele. Desta forma, retoma-se, assim, a questão da apropriação do espaço no sentido de revelar os mecanismos de diferenciação público - privado, já que:
“Para simplificar: um sistema de espaços só existe em conexão com um sistema de valores, ao passo que ambos são impensáveis sem a correlação necessária com um sistema de atividades” (Santos, 1981: 67).
Outras análises são possíveis a partir dos elementos físicos da cidade e, assim, há quem sustente que a cidade é formada por ruas, praças, quarteirões e lotes (IBAM, 1982) ou ainda lote, quarteirão e rua (Santos, 1988). Estas categorias entretanto não são estanques, sob a ótica da sua utilização, pois o mesmo Santos lembra que “Há instantes de quebra do cotidiano em que a rua é tratada como casa ( nossa rua) ou que a casa é aberta e tratada como se fosse rua” (1988: 89).
Lamas (1993) identifica como elementos morfológicos do espaço urbano o solo (topografia), os edifícios (como elementos mínimos), o lote (parcela fundiária), o quarteirão, a fachada, o logradouro³² (recuos, afastamentos), o traçado (a rua), a praça, o monumento, a arborização e o mobiliário urbano.
Para efeito do presente trabalho utilizaremos os elementos físicos, base da pesquisa realizada, para identificação dos padrões de análise, no que tange a habitabilidade dos loteamentos.
Observe-se que tal conceito não pode ser encarado de maneira estática. Habitar é um ato cultural, localizado e datado. Acioly (1998: 64), comparando assentamentos na Índia, Brasil e África, conclui que “essas diferenças...estão estreitamente relacionadas com as culturas das cidades e logicamente com as sociedades...” ³³. Assim, os parâmetros serão aqui observados quanto aos resultados urbanísticos que eles produzem, isto é, a adequabilidade às funções específicas e inerentes de cada espaço, sem entrar no mérito do entrelaçamento de atividades que, como foi acima apresentado, neles se dá.
Assim, os elementos a serem analisados ater-se-ão àqueles encontrados em loteamentos e exigíveis por lei: lote, via e áreas públicas. Por lote entende-se que é “a porção de terreno resultante de loteamento ou desmembramento com pelo menos uma divisa lindeira à via de circulação...”(Pazzaglini, 1980: 13)³⁴, enquanto que via é o espaço aberto, destinado à circulação de veículos e/ou pedestres. Áreas públicas serão entendidas como, repetindo a Lei 6766 / 79, aquelas destinadas “a equipamentos urbano e comunitário, bem como a espaços livres de uso público”. Não se trata assim de áreas de domínio público, isto é, doadas à Prefeitura, já que por se tratarem de loteamentos clandestinos e irregulares muitas áreas têm efetivo uso público, isto é, coletivo, embora juridicamente mantenham-se privadas.
A seguir analisa-se, mais aprofundadamente, cada um deste elementos:
O Lote
O lote, embora, seja um elemento fisicamente determinado, é um elemento jurídico. No dizer de Santos (1988: 72), mesmo os favelados, “supostamente autônomos nas sua formas de assentamento, logo que podem recorrem à demarcação de lotes e a diferenciação nítida entre público e o privado”. O lote é, assim, um espaço privado limitado fisicamente de outras propriedades, públicas, como as ruas, ou privadas, como os vizinhos.
Foi introduzido no Brasil, junto com o arcabouço legal colonial, e correspondeu ao modelo urbanístico quinhentista português: testadas estreitas e terrenos compridos.
Aproveitando antigas tradições urbanísticas de Portugal, nossa vilas e cidades apresentavam ruas de aspecto uniforme, com residências construídas sobre o alinhamento das vias públicas e paredes laterais sobre os limites dos terrenos” (Reis Filho, 1978: 22)
Observe-se que este padrão de lote colonial atravessou os séculos e encontramo-lo, por exemplo, em Nilópolis, loteamento periférico realizado em 1914 (Andrade, 1996: 924), a partir de lotes com 10 metros de testada por 50 ou até 100 metros de profundidade. Atualmente, ainda que bem menos profundos, os lotes continuam possuindo testadas bem menores que as laterais, pois a frente do terreno é a medida da extensão e vias e de infra-estrutura, o que faz com que quanto maior for a testada dos lotes, mais caro será a urbanização do loteamento.
De um lote exige-se o cumprimento de diversas funções. A principal e imediata é a de abrigar a construção de um prédio que em 90% dos casos, será uma residência,35 Como lembra Reis Filho, uma característica da arquitetura urbana é “a relação que a prende ao tipo de lote em que está implantada...ao mesmo tempo não é difícil constatar que os lotes urbanos têm correspondido, em princípio, ao tipo de arquitetura que irão receber” (1978: 16). Assim, lotes estreitos obrigarão à construção de casas coladas nas divisas laterais, como na cidade colonial, mas também nas casas em série dos conjuntos habitacionais populares. Outras funções secundárias do lote podem ser a guarda de veículos, quando sua dimensão o permitir; a realização de atividades sócio-esportivas, quando, além do prédio, ainda há espaço para quintais e jardins; a instalação de equipamentos de infra-estrutura como fossas, sumidouros e cisternas. Eventualmente, além da casa, atividades profissionais podem exigir outras instalações. Oficinas de fundo de quintal, varandas para biroscas, ou telheiro para reparo de veículos são exemplos desses espaços profissionais.
Os lotes devem permitir também a existência de áreas não construídas, os prismas, destinados à aeração e ventilação dos prédios. Eventualmente esta função pode ser transferida para a rua, quando a casa não dispõe de recuo frontal, como, aliás, se dava na implantação das residências coloniais.
Os parâmetros pelos quais se pode analisar a adequabilidade de um lote são sua área, a testada, a proporção entre esta e a profundidade, a situação em relação à via, isto é sua acessibilidade, e a situação em relação ao sítio, vale dizer sua adequação ao meio físico.
Área
A área é o parâmetro melhor regulado pelas leis, tanto federal ou municipal: mínimo de 125 m² para a primeira e 120, na outra. A municipal, contudo, restringe a área também em função da testada, isto é quanto maior a área do lote, maior testada ele também terá. Com isto a lei busca restringir a persistência do lote colonial ou nilopolitano, como o visto acima. No caso do lote de 1000m² existente em Nilópolis a testada exigida pela legislação carioca seria de 20 m, o dobro portanto da apresentada lá.
Ao se exigir 125m² de área mínima, certamente, se está esperando do lote outras funções além daquela que chamamos, acima, como principal, isto é, permitir a construção de uma casa. Observe-se que se for aplicada uma taxa de ocupação de 50%, obter-se-á uma residência de cerca de 60 m² o que permite conter sala, três quartos e dependências, em condições bastante razoáveis. Metade do terreno ainda poderá ser utilizado para garagem ou qualquer outra das atividades secundárias listadas acima.
Este parâmetro, área mínima, além de ser um dos mais desrespeitados nos loteamentos analisados no Capítulo VII, como se verá, é também um dos que mais alterações sofre nas legislações municipais. Andrade (1988) analisando as leis do Município de Nilópolis mostra como, ao longo de 30 anos, a área mínima exigida para os lote baixava de 300 m² para 180, chegando a 120, pouco antes da edição da Lei 6766/79 que a limitou, como já se disse, nacionalmente, em 125 m² . A própria lei federal, contudo, excetua os loteamentos que se destinarem a “urbanização específica”, sem dizer o que isto significa, e a “edificação de conjuntos habitacionais de interesse social”. Desta forma, fica indicado que sob a ótica legislativa, a área mínima não é um parâmetro de natureza física, mas econômica e, sobretudo, institucional, pois, observe-se, a lei é explícita ao citar conjuntos habitacionais, forma de produção habitacional típica dos anos 70, e que pretendia através do Sistema Financeiro Habitacional, o SFH, e das Companhias Estaduais de Habitação, substituir, exatamente os outros assentamentos populares. Ou seja, o que não seria admissível num loteamento, se-lo-ia num conjunto da CEHAB, ou mesmo de um incorporador privado.
Testada
A testada de um lote também é regulada por leis, tendo sua medida mínima fixada em 5 m, pela Lei 6766/79, e 8m pela lei municipal.
Da testada se exige que, ao menos, abrigue a menor dimensão de um cômodo da casa, já que a outra dimensão poderá se desenvolver no interior do lote. Desta forma, podese imaginar que 3 metros seria a dimensão mínima limite que um lote poderia ter.
Observe-se que quanto menor for a testada do lote, menor será o comprimento das redes de infra-estrutra que o servem, levando ao consequente barateamento de seu custo.
Por outro lado, testadas estreitas, como já se disse, obrigam à construção de edificações coladas nas divisas, o que do ponto de vista térmico é lamentável, não só por impedir a ventilação cruzada dos cômodos, como por erguer obstáculos à circulação dos ventos. Andrade (1989: 40), citando Hassan Fathy, informa que a ventilação cruzada pode chegar a fazer cair a temperatura interna em até 10 graus. Sendo a região em estudo localizada em área tropical úmida, esta questão deve estar em apreço, (Koenigsberger, Van Lengen) principalmente, se considerarmos que na Zona Oeste, comumente, registram-se as temperaturas máximas da cidade.
Proporcionalidade
Trata-se da relação entre as duas dimensões do lote ou entre a testada e a área, como utilizar-se-á, a seguir. Em Nilópolis, como viu-se, no caso extremo, a relação era de 1 para 100. Na Lei 6766/79 a relação, embora não explícita, seria de 1 para 25. Na legislação carioca existe uma correlação indicada, pois condiciona a testada à área, obtendo-se relações que vão de 1 para 15, no caso dos lotes pequenos, até 1 para 500, no caso dos lotes muito grandes, mais de 50 000 m².
Em principio, quanto a este parâmetro, não se apresenta preponderante para a análise da adequabilidade de um lote, uma vez garantidas as condições específicas da testada e da área. Observe-se que mesmo no caso do lote grande, da legislação carioca, que em verdade seria um lote de dimensões superiores a muitos dos loteamentos aqui analisados, um lote de 100m por 500m seria legal, enquanto que outro de 50 m por 1000 m, não o seria!
Situação em relação à via
Em princípio os lotes podem ser de frente ou de fundos e, em situações particulares, de esquina, isto é, de frente para duas ruas.
Tratando-se de uma via carroçável, os lotes, mesmo os de fundo, podem abrigar os carros, caso contrário, haverá uma distância entre a habitação e uma via carroçável que terá que ser percorrida a pé36, com o que se poderia alcançar medidas bastante grandes.
Ocorre que a relação entre a via e o lote passa também pela realização de alguns serviços como coleta de lixo, remoção de doentes, e chegada dos bombeiros que limitam este percurso a pé a valores em torno de 100 m. A legislação carioca para vilas, fixou-a em 80 m. Outro ponto importante é que loteamentos em declive colocam a via e os lotes em altura diferentes, principalmente quando ocorrem cortes no terreno para a abertura da via. O lote, neste caso, pode sofrer problemas de acessibilidade. Moretti, (1986: 22) fixa esta altura em 2,5 m, no caso de cortes, e 2m, em aterros, para permitir a construção de uma rampa no interior do lote, que deverá ter testada e, neste caso, profundidade compatíveis, já que haverá considerável perda de área útil. Observe-se que na impossibilidade de haver rampa, seja pela exiguidade do lote, ou pela altura do talude, o acesso do lote à via será feita por escada, com todos os inconvenientes que esta forma de circulação traz para idosos e portadores de deficiências.
Situação em relação ao sítio
Loteamentos trazem alterações no meio ambiente, tanto que, para os casos superiores a 1 milhão de m2 , o empreendimento é obrigado a apresentar um Estudo de Impacto Ambiental37. Por outro lado, o meio físico natural, onde se localiza o lote, pode ser inadequado, consubstanciando, assim, as áreas de risco.
A Lei Federal 6766, em seu artigo 19, já apresenta uma listagem das áreas que entende serem de risco, onde “não será permitido o parcelamento do solo” : áreas inundáveis, aterros com material nocivo, declividades superiores a 30%, onde as condições geológicas desaconselham e onde a poluição seja insuportável.³⁸
Observe-se que apenas no que tange à declividade foi de fato indicado um parâmetro objetivo, enquanto os demais, embora todos corretos, são largamente passíveis de análises eivadas de subjetividade. Com relação a drenagem, por exemplo, as vazões são calculadas utilizando-se, dentre outros, o critério de tempo de recorrência (TR.) que indica que de tempos em tempos ocorrerá um enchente. Nas redes de drenagens de vias públicas há também o critério de lâmina d'água, o que permite supor um certo grau de inundação. Contudo, como se verá oportunamente, muitos dos loteamentos aqui analisados encontram-se em áreas de risco, valendo aprofundar-se, quando adequado o for, se as razões de ocorrência do risco são endógenas ou generalizadas.
A via
A via, como entidade meramente física, é, historicamente, anterior ao lote. Se consideradas as trilhas que existiam em direção a produções rurais ou rotas de comércio, as vias são anteriores, até mesmo, aos próprios terrenos, isto é, a porção de terra destinada à edificação.
As vias urbanas, entretanto, têm histórico diferente e, ainda que, mesmo elas, se antecipam ao lote, que como entidade jurídica, como já se viu é relativamente recente, o mesmo não ocorre em relação as casas, pois, tradicionalmente, o traçado viário era definido pela posição das casas, que a antecediam, portanto. Citando Reis Filho, “A rua existia sempre como um traço de união entre conjuntos de prédios e por eles era definida espacialmente” (1978: 24). O resultado, como ainda ocorre em nossas favelas, é um sistema viário irregular, por vezes tortuoso, que já fez com que se entendessem os urbanistas portugueses como medievais (Smith, 1969)³⁹.
Num loteamento, mesmo que clandestinos ou irregulares, porém, tanto a via quanto o lote são objetos intencionais oriundos de um projeto, de um desenho, isto é, de um desígnio⁴⁰, o que, como já se disse no Capítulo 1, é o que o diferencia de outras formas informais de assentamento.
“ Lo que se establece en el momento de fundar una ciudad no es un organismo de tres dimensiones, sino um trazado ( un plan general de dos dimensiones, como em Ferrara). En efecto, no se prevé el construir los edifícios en breve tiempo y más o menos contemporáneamente, como em la Edad Media; se asignan las parecelas construibles, sobre las cuales los proprietários construirán como y cuando quieran.” (Benevolo, 1977: 113)
Observe-se que a determinação de ocupação de um sítio, vale dizer, sua transformação de rural em urbano tem, historicamente, se utilizado de um padrão de desenho que, ao que tudo indica, se não foi ali inventado, ao menos terá sido extensivamente utilizado, isto é, nas cidades de colonização grega e que passa a ser conhecido como milético ou milésimo⁴¹ (Munford, Benevolo). O padrão de ocupação baseado numa malha de vias ortogonais vem, assim, sendo utilizado sempre que há necessidade de ocupação rápida e quando o ritmo de fundação de novos núcleos é acelerado: “el colonizador sabe que la naturaleza salvaje debe ser transformada” (Martin, 1975: 24).
Assim, quando os espanhóis utilizam-se dos núcleos urbanos como estratégia de dominação de suas colônias americanas⁴² vão buscar este mesmo padrão para produzir no Novo Mundo enorme quantidade de cidades, o que para alguns autores é resultado da introdução de padrões urbanísticos renascentistas (Smith, Boltshauser). Já Benévolo diz que além da cultura renascentista (Vitruvio, Alberti), derivam também da tradição medieval⁴³. Fato é que, não só produziram cidades em série como compilaram a legislação que as regulava: a Lei da Índias, “cuja publicação se estendeu por mais de um século, desde 1512 (Lei de Burgos) até 1680 (Recompilacion de Leyes de los reinos de las Índias)”, (Boltshauser,s/d: 57).
O mesmo padrão ortogonal de vias se presta também à ocupação do oeste norte americano e Martin (1975: 24), citando John Reps, chama atenção para o artificialismo do padrão:
“...ciudades nuevas..., praticamente todas ellas basadas en plantas claramente artificiales en forma de trama ortogonal. Él (Reps)⁴⁴paunta, que en un cierto sentido no sólo las ciudades sino todo el oeste americano se desarolla dentro de una trama artificial: “La gigantesca malla ortogonal impuesta sobre el paisaje natural por... la Ordenacion del suelo de 1785”.
Desta forma, os loteamentos ao surgirem em grande e crescente número utilizar-seão desta mesma trama artificial, mesmo quando aplicada em terrenos acidentados, mas que permite implantação rápida e, sobretudo produz os lotes, nos quais, como disse Benévolo acima citado los proprietários construirán como y cuando quieran. Em resumo, aberta a via vendem-se os lotes.
Assim, o loteamento, quando regular, depende de dois projetos independentes⁴⁵, os chamados PAA (Projeto de Alinhamento) e PAL ( Projeto de Loteamento), dos quais o primeiro responde pelas vias e o outro pelos lotes e áreas públicas. Assim, a via em projeto é definida pelo espaço contido entre os alinhamentos dos lotes que, por seu turno, situam-se atrás do alinhamento das ruas. Vale dizer, o alinhamento é a fronteira entre os domínios do público e do privado, o que transforma a via no espaço público, por excelência.
A função precípua da via é permitir o deslocamento seja de veículos, pedestres ou, eventualmente, animais. Além disto é o berço das redes de serviço público, notadamente, água e esgoto, do posteamento de luz e telefone, da arborização e iluminação públicas e, acumula a função de local de encontro, trocas e convívio. A via separa, ainda, edificações frontais e assume ainda o importante papel de prisma de aeração e iluminação de domicílios que lhe são lindeiros. Os parâmetros urbanísticos que determinam uma via são largura, comprimento, declividade, traçado e raios de curvatura, como se verá seguir, e deve se articular com outras vias, formando um sistema.
Largura
A largura adequada de uma via depende de sua função, normalmente, estabelecida, pelo que se convencionou chamar, hierarquia viária. A própria utilização de uma hierarquia é motivo de controvérsia. Alexander, em sua conhecida obra “ A Cidade não é uma Árvore”, opõe-se à idéia de uma hierarquia rígida, contrapondo a de uma semi-trama, onde elementos pertencentes a “galhos” diferentes, interrelacionam-se:
“A mi juicio, una ciudad natural está organizada como uma semi-trama; pero cuando organizamos una ciudad artificialmente, la organizamos como un árbol “(pg.20).
Com ou sem ligação, parece não haver dúvida de que haja, ainda que informal, uma hierarquia entre as vias pois, como lembra Turkienicz:
“Haverá sempre lugares mais calmos e outros mais movimentados, mesmo dentro de um tecido constituído de edifícios, atividade e usos, contíguos e cotínuos”, identificando, em exemplos como Paris, uma “hierarquia não muito visível nem explícita”.(pg.16)
Santos(1988) identifica a existência de quatro categorias de vias (rodovia, arterial, coletora e local) e define perfis para cada uma delas. O Manual do IBAM traz a mesma classificação mas acrescenta a de via principal que difere da arterial pelo fato de que “a velocidade não é importante nas vias principais” (pg.16).
A legislação do Rio de Janeiro não apresenta, propriamente, um hierarquia, pois não define funções para a via, mas correlaciona comprimento com a largura, indo de 6 a 12 m de largura, com caixas de rolamento de 3 a 6 m. Evidente que a cidade possui vias com larguras superiores a estas mas, neste caso, são vias detentoras de projetos próprios, elaborados por órgãos dos três níveis de governo, os já referidos PAA, e que o loteador teria que respeitar⁴⁶.
Outra característica da legislação carioca é a associação da largura dos logradouros com a dimensão dos lotes, de maneira proporcional, isto é, quanto menor for o lote mais estreita poderá ser a via, o que parece destituído de lógica pois dimensões reduzidas de lotes produzem-nos em número maior, aumentando as densidades e, portanto, aumentando as demandas de tráfego. Além disso, quanto menor o lote, mais a residência tenderá a se localizar no limite do alinhamento, sem deixar recuo frontal. Assim, o prisma de ventilação ficará tão somente reduzido à via, o que, portanto, a impede de ser estreita.
Além da hierarquia viária, a largura das vias e, em particular das caixas de rolamento, são também dimensionadas pelo tipo de veículo que dela se utilizará. Assim, veículos menores demandam faixas com no mínimo, 2,70m, enquanto os maiores, 3,15m. Pedestres exigem 1,5m para transitarem em vias exclusivas, mas apenas 0,70m nos passeios. De toda forma são parâmetros que só podem ser avaliados dependendo das condições locais pois que também variam em função da hierarquia da via.
Se há previsão de estacionamento ao longo das vias, deverá haver uma largura extra de 2,5m, correspondente a um veículo parado.
Observe-se que a diferenciação entre caixa de rolamento e passeio é algo, relativamente, recente em nossas cidades e, de fato, só ocorrem, geralmente, em vias pavimentadas. Outro aspecto é que os passeios, além de permitirem a circulação de pedestres devem poder abrigar árvores, postes, orelhões e até equipamentos bem maiores, como as bancas de jornal.
Finalmente, cabe registrar que as larguras das faixas de rolamento são também definidas pela velocidade que se deseja imprimir ao fluxo viário. Assim, quanto mais largas forem as faixas, maiores serão as velocidades. Desta forma a adequação da via ao loteamento não poderá ser medida, simplesmente, pela amplidão de sua largura, pois, já é aceito, de forma generalizada, que vias, ao cruzarem áreas residenciais, devem induzir à diminuição da velocidade dos veículos, desenvolvendo-se as técnicas de traffic calming⁴⁷” . Para tanto, pode-se até diminuir a largura das ruas.
Outro aspecto que faz considerar larguras excessivas como razão de desqualificação urbanística é a criação de verdadeiras cicatrizes no tecido urbano, criando, por vezes barreiras de difícil transposição. Acrescente-se a isso que os custos da pavimentação de vias chegam a custar 40% do valor das obras de urbanização de uma a área. (Mascaró, 1987).
Comprimento
Ao comprimento de uma via não se pode atribuir, exatamente, parâmetros de análise. Afinal ele se confunde com o próprio conceito de via, isto é, ela chega a determinado ponto ou, lá não chegando, naquele trecho, inexiste. A via é, em essência, seu comprimento.
No caso dos loteamentos, o que se pode atribuir como justo é que todos os lotes tenham acesso e, em que casos, estes acessos devem ser feitos, por vias carroçáveis ou, apenas, por pedestres. Quanto a isso, como já se disse, anteriormente, o aceitável situa-se em torno de 80 metros como a distância máxima a ser percorrida pelos pedestres, entre seu lote e a via carroçável mais próxima.
Na legislação carioca não há limite máximo para o comprimento das ruas, mas das quadras, que não podem ter dimensões superiores a 100 metros, o que equivale a dizer que, as vias que as definem, devem possuir transversais,no mínimo a cada 100 metros. Observe-se que se poderia adotar também um comprimento máximo de uma via de forma a produzir desvios e, portanto, diminuir a velocidade dos fluxos viários. Da mesma forma criar-se-ia embaraço ao trafego de passagem pelo interior dos loteamentos.
Declividade
Como já se disse, a opção pela malha ortogonal para grande parte dos projetos dos loteamentos faz com que, muitas vezes, a topografia do terreno não seja tomada em consideração, quando a via se torna ladeira ou, em casos, extremos, escadarias. Estas rampas têm sua declividade medida em percentuais e sua adequabilidade varia conforme a fonte que se consulte. IBAM (1982) considera até 11% a declividade como normal e até 17% “aceitáveis em trechos com extensão inferior a 150m.”
A legislação carioca é, por uma lado, mais restritiva que a fonte anterior e, por outro, mais permissiva pois, enquanto limita as declividades de rampas a 6% ou a 8%, em trechos de até 100 m. de extensão, permite ,em regiões acidentadas, isto é, onde as ladeiras são efetivamente necessárias, 25% para trechos até 50m e 15% até 100m.
Estranhamente não se encontram referências sobre a relação entre a declividade da via e sua hierarquia e fluxos, o que, certamente, deve existir.
Traçado
O traçado de um loteamento, pelo que se viu até aqui, será adequado na medida em que responda às funções que a via deve desempenhar mas também por sua relação com os lotes lindeiros, o que foi visto em itens anteriores.
Com relação ao terreno em que se situa, o loteamento pode ter seu traçado analisado pelas declividades que venha a imprimir às ruas. Assim, traçados irregulares e tortuosos, ao estilo medieval, podem ser mais adequados aos terrenos naturais do que as malhas ortogonais, diminuindo os problemas de erosão, entretanto, por aumentarem os percursos, encarecem a infra-estrutura e dificultam a divisão das propriedades e sua descrição (IBAM). Portanto, devem ser considerados adequados, apenas quando a topografia exigir a opção por ele.
Raios de Curvatura
Os raios de curvatura são os elementos utilizados, para a mudança de direção de uma via, em função de acidentes no terreno, para a conexão de duas vias ou para a terminação de uma delas (cul de sac). São função da largura das vias, mas também dos veículos que por ela trafegam.
Assim, vias de pedestres poderiam dispensar os raios, enquanto vias de tráfego pesado podem exigir raios imensos. A velocidade do fluxo também condiciona o raio de curvatura da via.
Em loteamentos residências raios pequenos são úteis para imprimir baixas velocidades nos fluxos viários porém, devem permitir que veículos maiores possam trafegar e realizar tarefas, como a coleta de lixo. A legislação carioca aceita raios com no mínimo 5 m entre os logradouros e terminações com raios iguais às larguras das vias que chegam a elas. Observe-se que no caso de ruas muito estreitas há necessidade de raios maiores pois nas curvas, as vias devem ser mais largas que os veículos.
Articulação com o sistema viário existente
Além de seguir os PAA oficiais, as vias dos loteamentos deveriam, por lei, articular-se com as vias de outros loteamentos, já existentes, e que se limitem com a gleba original. A formação de enclaves na malha urbana da cidade deve ser considerado inadequada, porém, nem sempre, como parâmetro para se medir os níveis de habitabilidade de um assentamento. Fosse assim, não haveria condomínios fechados na cidade, nem a legislação carioca incluiria todo um capítulo dedicado a “Grupamentos de Edificações”, para os quais se preveem ruas internas que, obviamente, não se articulam com o sistema vizinho. É verdade, que tais vias não são consideradas logradouros públicos, mas privados. Desta forma, a articulação com o sistema viário existente deve ser entendida mais como um parâmetro jurídico do que urbanístico, embora, para o conjunto da cidade fosse algo desejável. Para a análise do loteamento em si, todavia, não seria um critério preponderante.
Áreas públicas
Por área pública, entende-se, no presente trabalho, a área, ou conjunto de áreas, que devem receber atividades ou equipamentos de uso público e que, em condições jurídicas normais, isto é, regulares, seriam doadas ao município. Exclui-se deste conceito, o sistema viário que, embora público, foi abordado no item precedente.
Historicamente, dos três elementos aqui analisados, lote, via e área pública, esta foi a última a se constituir em nossas cidades, podendo-se admitir causas como a falta de hábito de convívio em espaços públicos⁴⁸, ou pela inexistência do conceito de que serviços públicos fossem responsabilidades de órgãos públicos. De fato, durante séculos tanto a educação quanto a saúde foram serviços prestados pela igreja ou ordens terceiras.
Assim, a ideia de que novos loteamentos, por imprimirem novas demandas, deveriam prover-se de novas áreas públicas e doá-las às autoridades públicas é bastante recente. Guardadas as devidas proporções, pode-se dizer que as áreas públicas num loteamento, a exemplo do que se disse sobre a necessidade de articulação com as tramas viárias vizinhas, é um conceito que se constitui muito mais pelo modelo que se quer imprimir à cidade que, propriamente, do nível de habitabilidade intrínseca do assentamento. Observe-se que um loteamento com apenas 30 000m² , sob ponto de vista estritamente legal, não necessita dispor de qualquer área pública, enquanto um de 50 000, por exemplo, haveria de, pela legislação carioca, apresentar, aproximadamente, 4 000m² de áreas públicas. Vale dizer, dois loteamentos de 25 000m² produziriam a mesma área que o de 50 000 sem entretanto acrescentar qualquer área pública ao conjunto. Pode-se, portanto, concluir que o nível de habitabilidade dos loteamentos menores seria inferior ao maior, ou isto ocorreria, tão somente ao se tornar vizinho de outros loteamentos menores que, a exemplo dele não dispõe de área pública. Neste caso seu grau de habitabilidade não repousa em suas características próprias e sim na escala vicinal. Aliás, vale lembrar, que Perry⁴⁹ ao dimensionar sua unidade de vizinhança, originando a Planta Radburn⁵⁰, utiliza a escola elementar como parâmetro para o número de habitantes.
Outro ponto a ressaltar é que a posição relativa do loteamento em face de equipamentos regionais tende a diminuir sua necessidade de áreas públicas. Certamente um loteamento próximo à praia ou a parques seria diverso de um outro cercado de cimento e asfalto por todos os lados.
Finalmente, a densidade é um fator que influencia na presente análise, pois onde as densidades são baixas há, normalmente, fartura de quintais e as ruas podem abrigar outras atividades além da circulação.
A legislação federal, Lei 6766, também, dispôs sobre áreas públicas ao fixar o limite mínimo de doação em 35%, incluindo, aí, o sistema viário. Neste sentido, pouco trouxe de significativo à matéria, já que, como se verá no Capítulo VII, os sistemas viários em muitos dos parcelamentos, com as características dos aqui analisados, consomem área equivalente a este percentual. Além disto, a Lei 6766 dispõe, genericamente, que as áreas públicas deverão ser proporcionais à densidade de ocupação prevista.
A legislação municipal, entretanto, exige, como se disse acima, para loteamentos com área superior a 30 000 m² , 6% da área total para praças, jardins e para implantação futura de serviços públicos, além disto, obriga a que se destinem 2% da área loteada para escola⁵¹. Caso o loteamento possua mais de 1000 lotes, terá que construir a escola e acima deste número, cresce a exigência, proporcionalmente⁵² .
A constatação de que as áreas públicas não são, especificamente, um atributo específico de cada loteamento, torna dispensável que, no âmbito do presente trabalho, se procure determinar os parâmetros preconizados pela literatura específica, no tocante às áreas públicas, diferentemente, portanto, do que se fez anteriormente para os lotes e as vias. Diversamente seria, caso se estivesse tratando do espaço urbano, em geral, e não de uma determinada porção dele, como são os loteamentos, cujos limites são dados pela propriedade da terra e que não consideram as características do entorno, o que, consubstanciaria uma unidade mais ampla.
³¹ Para Panerai, o espaço público, que não é o espaço do público, é aberto e acessível a todos , a todo momento. Seu traçado se confunde com o plano da cidade, mas não se confunde com edifícios ou equipamentos públicos, nem com edifícios abertos ao público (lojas, teatros, etc.) O espaço urbano aparece como a formalização do jurídico. Traçar um alinhamento é desenhar um limite de direito, efetuar uma separação entre dois domínios: público e privado.
³² Por razões geolinguísticas logradouro para este autor é algo totalmente diverso do que entendemos por tal. Diz ele: “logradouro constitui o espaço privado do lote não ocupado por construção”.
³³ comparando lotes em diversos países o autor encontra desde lotes mínimos na Índia, de 26 a 90 m² , nos quais é permitido construir até dois pavimentos; enquanto em Guine Bissau, lotes urbanos são “convencionalmente” de 500 m².
³⁴ Para o autor, a definição se restringe às vias de circulação de veículos.
³⁵ Sabe-se que o lote urbano pode abrigar tanto residências uni como multifamiliares. No presente trabalho, por se tratar de loteamentos periféricos, as referências e análises à habitação restringir-se-ão às residências unifamiliares, tipo de prédio, encontrado nestas formas de assentamento.
³⁶ Abstraindo-se, contudo, de distâncias que se tenha que percorrer até um meio de transporte coletivo, situação que independe do lote, especificamente.
³⁷ Como se verá oportunamente, na amostra utilizada neste trabalho, dois loteamentos incluir-se-iam neste caso.
³⁸ As áreas de preservação ecológica, embora não sejam, necessariamente, de risco, também são impedidas de serem ocupadas.
³⁹ “A cidade de Olinda....foi assim o primeiro exemplo na América de cidade português tipicamente medieval, de ruas em ladeiras tortuosas e íngremes e de súbitas declividades” (Smith, pg.28).
⁴⁰ As raízes latinas das duas palavras são quase idênticas: disignare (designar) e designare (desenhar) (Ferreira, 1975).
⁴¹ Milético, da cidade de Mileto, ou de Hipodamos de Mileto que, ao utilizar o esquema ortogonal na reconstrução do porto ateniense de Pireu, altera substancialmente o padrão tradicional de ocupação conhecido como “acrópole”, acro (elevada) + poli (cidade)
⁴² Ferreira chama atenção para os aspectos simbólicos na fundação das cidades, referindo-se aos espanhóis: “the persuasive policies were also supported by form of the city as a symbol of the strong will of the spaniards to remain in the continent” e citando a Lei das Índias, “Neither shall the indians enter the prescints of the town until after it has been built and placed in conditions of defense, and the houses to build that when the indians see them they shall wonder and understand that the Spaniards settle there for good and not to the moment only; and so that they may fear them so much as to desire their friendship” (1980, 28).
⁴³ O autor refere-se às novas cidades fundadas no século XIII e na primeira metade do seguinte: as bastides francesas e as poblaciones espanholas.
⁴⁴ Reps, John “El nascimento de la América Urbana” (1965).
⁴⁵ Embora contidos na mesma prancha, recebem numeração distinta
⁴⁶ Nos casos de rodovias, estes PAA possuem grandes larguras que interferem de forma significativa em alguns terrenos. Alguns loteamentos, neste casos, simplesmente, desconhecem estes projetos e ocupam as áreas a eles destinados, tornando sua regularização bastante complicada.
⁴⁷ Moderação do tráfego parece uma tradução precisa para esta expressão inglesa
⁴⁸ O primeiro jardim público no Brasil terá sido o Passeio Público, no Rio de Janeiro, do século XVIII. Praças, pelo contrário, sempre existiram, em particular, aquelas em frente às igrejas, quando abrigavam, principalmente, atividades religiosas, ou praças de mercado, como o Largo do Paço, atual, Praça XV. Na cidade colonial espanhola a Plaza de Armas é o centro geopolítico e religioso. Nas cidades portuguesas não assumem conotação tão forte. O antepassado da praça, ao que se sabe, foi o “ágora”grego, que funcionava como praça de mercado, sendo utilizado para assembléias (ecleasiae). Aristóteles, em sua cidade ideal, propõe a separação do ágora em dois espaços distintos. Um que abrigasse a essência da polis grega, a democracia, e a outra, o mercado, considerado, desqualificador (banáusica) do espaço público. Em Atenas, com o crescimento urbano, esta separação ocorreu, com a transferência da assembléia (Glotz: 1980).
⁴⁹ Clarence Perry ao lançar, em 1929, “The Neighborhood Unit: a Scheme of Arrangement for the Family Life Community”, estabelece o conceito de unidade de vizinhança e estima em torno de 5000 habitantes, sua população, necessária para o funcionamento de uma escola pública. A distância a ser percorrida a pé, pela criança, entre a escola e a residência, definiria o tamanho da área. (Calihman, 1975: 36)
⁵⁰ Cidade Jardim, construída em Nova Jersey, EUA, cujo modelo seguia de perto as idéias de Perry (Calihman, 1975: 38).
⁵¹ Curioso, que nos casos de grupamentos de edificações, as exigências são até mais severas, entrentanto como esses assentamentos não se localizam, necessariamente, em logradouros públicos, pode-se encontrar o paradoxo de que as áreas públicas encontram-se no interior de área privadas. O caso das escolas públicas nos condomínios da Barra da Tijuca, fora de nossa área de estudo, seria exemplo disto. Na AP5, não constatamos a existência destes casos, por outro lado, não coletamos informações sobre estes grupamentos mas, tão somente, loteamentos.
⁵² Entre 1000 e 2000 lotes, 1 escola padrão com 12 salas e 7 especiais. Acima de 2000, mais 1 escola para cada 2000 lotes, ou fração.
CAPÍTULO VI
METODOLOGIA
No Capítulo precedente, procurou-se estabelecer os parâmetros urbanísticos para análise dos loteamentos da amostra, o que será feito no Capítulo seguinte. Inicialmente, deve-se estabelecer as características da amostra utilizada. Trata-se de um conjunto de loteamentos clandestinos e irregulares incluídos numa pesquisa que o IPLANRIO fez realizar para a SMH, em 1996, com a contratação da Empresa AGRAR⁵³.
Observe-se que esta amostra não contempla todos os loteamentos existentes na cidade, mas apenas os inscritos no Núcleo de Regularização de Loteamentos, já referido anteriormente. Da listagem original foram retirados os loteamentos localizados na AP3, e aqueles que, mesmo estando nas AP4 e 5, estavam, à época do levantamento, em obras. Neste caso, a SMH considerou desnecessário produzir um diagnóstico para loteamentos que já tinham projetos de urbanização executados.
Assim, o trabalho da AGRAR foi contratado no intuito de embasar futuras decisões da Prefeitura quanto à realização de obras, do qual se recolheram apenas os dados referentes aos loteamentos da AP5, a Zona Oeste.
Deste levantamento, foram colhidos e tabulados, utilizando-se o programa Exel for Windows, dados relativos aos 103 loteamentos que restaram e que se relacionam com os elementos identificados no Capítulo V, como importantes para a compreensão do nível de habitabilidade dos loteamentos e da identificação dos parâmetros urbanísticos que o compuseram.
Em alguns casos os dados foram coletados e apresentados de maneira simples, por exemplo: “Situação Jurídica”, isto é clandestinos ou irregulares, ou combinados uns com outros, como para se chegar ao cálculo do percentual que o sistema viário ocupa no total da área loteada. Para tanto utilizaram-se as planilhas Exel, que permitem realizar operações matemáticas.
Os resultados dessas operações foram agrupados nas Tabelas 1 a 17, no Capítulo seguinte. Observe-se que os resultados nas tabelas são apresentados em valores absolutos e percentuais. Naquelas onde há cruzamento de dados, quando ambos, percentualmente, mostram-se úteis para a análise da respectiva tabela gerou-se um tabela complementar, neste caso, numerando-se com .1 e .2.
Alguns dados tiveram que ser grupados em faixas para manuseio e possibilidade de análise, utilizando-se para isso os seguintes critérios:
Período de Ocupação
Foram criados quatro períodos que, no Capítulo referente à Formação Histórica da Zona Oeste, mostraram-se importantes no processo de surgimento dos loteamentos irregulares e clandestinos. São eles:
antes de 1939- em virtude do início da Segunda guerra e da paralisação de exportação de laranjas.
de 1940 a 1959- época que segundo diversos autores é o período em que os loteamentos proliferam
de 1960 a 1979- ano em que é Editada a Lei 6766 que regulamenta no âmbito federal a atividade loteadora.
1980 até os nossos dias - período em que a atividade terá regida pela citada lei
Área Loteada
Área loteada é a área do loteamento, em si, isto é lotes, ruas e áreas públicas. Eventuais áreas de reserva, ou trechos não loteados não foram levados em consideração. As faixas utilizadas foram as seguintes:
até 10 000m² - são os loteamentos que ocupam até um quarteirão e, em tese, não necessitam abrir ruas .
de 10 000 a 50 000m² - são os que já possuem 4 quarteirões, acrescidos de 25% de áreas públicas.
de 50 000 a 200 000m² - por analogia, são os loteamentos que concentram até 4 conjuntos de loteamentos, do grupo anterior
de 200 000 a 1 000 000m² - A partir de 1 milhão de metros quadrados os loteamentos são considerados de maneira diferenciada por várias leis e, assim, resolveu-se limitar essa faixa nesta metragem quadrada.
acima de 1 000 000m² .
Lote Médio
Por lote médio, entendeu-se a média das áreas dos lotes de cada loteamento. Para agrupá-los utilizaram-se as seguintes faixas.
Até 125 m² - metragem considerada mínima pela Lei 6766/79.
de 125 a 250 m² - considerou-se como faixa intermediária
acima de 250 m² - lotes que mesmo sendo desmembrados em dois, as frações resultantes ainda poderiam ser consideradas dentro da lei.
Largura média dos logradouros
Foram utilizadas as seguintes larguras:
até 5 m - ruas que dificilmente permitem o tráfego de veículos. No máximo admite o estacionamento de carros dos moradores.
de 5 a 8m - ruas de caráter local que permitem o fluxo de veículos a baixa velocidade
de 8 a 10m - ruas também de caráter local que permitem o tráfego e estacionamento de veículos.
acima de 10 m - ruas de características acima da simples circulação interna que permitem aumento da velocidade dos veículos, até a eventual presença de coletivos
Percentual ocupado pelo sistema viário
O percentual ocupado pelo sistema viário define quanto da área loteada é ocupada por sistema viário. Partiu-se do senso comum de que vias ocupam em geral 25% de um assentamento, sendo esta portanto o ponto médio das faixas:
té 15% - faixa que denota insuficiência de vias de circulação, típico de vilas ou de loteamentos onde o sistema viário está extremamente subdimensionado.
de 15 a 25% - loteamentos que estão ligeiramente abaixo da média considerada
de 25 a 40% - loteamentos que estão ligeiramente acima da média considerada e, por fim acima de 40% - os que se apresentam sistema viário com percentuais muito acima da média.
Para a definição precisa dos percentuais acima, utilizou-se o conceito de moda⁵⁴.
Percentual de Áreas Públicas
Como no caso anterior representa os percentuais de áreas públicas em relação à área loteada. Partiu-se igualmente de uma marca média e a construção e faixas intermediárias. Neste caso a marca média foi 10%, levando-se em conta que a Lei 6766/79 obriga a reserva de 35% de áreas a serem doadas ao poder público e, considerando-se a média de 25% para o sistema viário, ter-se-iam 10% restantes para as demais áreas públicas. Assim, as faixas consideradas foram:
0% - ausência total de áreas públicas
0 a 5%
5 a 10%
10 a 25%
25 a 35%
e acima deste percentual.
Área de risco
Área de risco foi medida através do percentual de lotes localizados em áreas de risco em relação ao número total de lotes. As faixas procuraram separar as faixas da seguinte forma:
0% - não há área de risco
até 10% - poucos lotes em área de risco
de 10 a 50% - menos da metade dos lotes estão em área de risco
mais de 50% - mais da metade los lotes estão em área de risco
e 100%- todos os lotes, vale dizer, todo o loteamento, estão em área de risco.
Com base nos resultados construídos nestas Tabelas pode-se, finalmente, identificar os loteamentos típicos, isto é, aqueles que continham as características apresentadas pela maioria. Esta seleção encontra-se minuciosamente apresenta no Capítulo a seguir.
⁵⁴ Moda-” medida de tendência central que corresponde ao valor de maior frequência numa distribuição” (Bastos, 1982: 106)
CAPITULO VII
CARACTERIZAÇÃO DOS LOTEAMENTOS IRREGULARES E CLANDESTINOS
No presente capítulo pretende-se analisar os loteamentos, constantes da amostra apresentada anteriormente, com base nas características identificadas para os elementos considerados formadores do espaço urbano, isto é, o lote, a via e as áreas públicas. Aqui, estes elementos serão relacionados sob diversas combinações com o intuito de analisar os parâmetros existentes nestes loteamentos, e obter a identificação dos loteamentos que podem se considerados típicos, isto é, aqueles que mais se aproximam das características apontadas.
Estes elementos, acima referidos, serão, sempre que tal procedimento se mostrar eficaz, relacionados com a situação jurídica dos loteamentos, o período em que foram implantados e sua localização.
Em termos preliminares, pode-se adiantar os seguintes resultados:
A localização (em relação aos bairros em que os loteamentos se encontram) não interfere na condição jurídica ou no porte dos loteamentos. Já o porte interfere na condição jurídica pois que, como se verá, loteamentos pequenos tendem à clandestinidade. Observe-se que 80% dos loteamentos pesquisados estão abaixo de 50 000 m² , o que leva à conclusão de que um fenômeno que individualmente é inexpressivo, como é o caso de um loteamento pequeno, pode ser significativo quando considerado em seu conjunto. Acrescente-se a isto que a clandestinidade vem aumentando com o passar dos anos: após 1979, representa a quase totalidade dos loteamentos.
As principais características que diferenciam clandestinos de irregulares é, nos primeiros, a ausência de áreas públicas. Em loteamentos clandestinos, também, se observam processos de parcelamento e venda de lotes que representam graves ameaças aos direitos dos adquirentes.
Em termos urbanísticos pouca diferença há, além da citada acima, entre loteamentos clandestinos e irregulares. A articulação dos loteamentos com o entorno é precária nos dois casos, assim como o tamanho dos lotes médios. Observe-se que estes vêem caindo ao longo dos anos, enquanto que a participação do sistema viário na área loteada, ao contrário permanece inalterada.
Contudo o sistema viário aumenta sua participação nos loteamentos que apresentam lotes menores, sendo, entretanto reduzido o número de loteamentos onde as ruas são de fato estreitas, fato que ocorre apenas em loteamentos pequenos com reduzido número de lotes.
7.1- Situação Jurídica e Localização
A Tabela 1.1 apresenta o número de loteamentos, a partir de sua condição jurídica, isto é, se clandestinos ou irregulares, relacionando-a com o bairro em que se encontram. Nela, pode-se perceber que a maior concentração de loteamentos da amostra encontra-se no bairro de Campo Grande, com 35% do total, seguido, com percentuais bem mais baixos, por Bangu, Realengo e Santíssimo.
Campo Grande apresenta-se, igualmente, com as maiores participações tanto de loteamentos clandestinos como irregulares, abrigando 30% dos primeiros e 40% dos demais. Com relação aos loteamentos clandestinos destaca-se, ainda, Realengo, com 16% dos loteamentos neste caso, além de, Bangu, Paciência e Santa Cruz, cada um deles com 9%. Quanto aos loteamentos irregulares, além de Campo Grande, já citado, destacam-se Bangu e Santíssimo, com 13% cada, um e Cosmos com 9%.
A Tabela 1.2, complementar à anterior, apresenta os loteamentos por bairro, segundo sua condição jurídica. Nela pode-se observar que pouco mais da metade dos loteamentos da amostra encontram-se na categoria dos clandestinos, 54%, sendo os demais, portanto, irregulares. Com relação aos bairros, os que apresentam situações extremas, são Realengo e Inhoaíba, onde, respectivamente, 90% e 80% da amostra são loteamentos clandestinos⁵⁵. Quanto aos irregulares, Cosmos é o bairro em que se destacam, com uma participação de 80%.
Observe-se que, exceto Realengo, estes bairros, onde irregulares ou clandestinos apresentam-se com intensidade mais clara, são aqueles onde a amostra é pequena e, portanto, pouco representativa. Campo Grande, bairro que detém a maior amostra, apresenta uma situação de equilíbrio entre as duas categorias, assim como os demais, denotando que, no que tange à localização por bairro não existe uma tendência específica para caracterizar as duas categorias. Pelo exposto, conclui-se que a localização não interfere na condição jurídica dos loteamentos.
7.2 - Períodos de Implantação dos Loteamentos
Analisando o total de loteamentos da amostra, com relação ao período em foram implantados, pode-se observar na Tabela 2, que o período que concentra o maior número deles, foi o que vai do ano de 1960 a 1979, quando se implantam 41%, deles, contrariando, ao menos por essa amostra, o que diversos autores afirmam, isto é, que o período que se sucede à 2a. Grande Guerra e a década de 50, foi o mais profícuo ao surgimento de loteamentos, na Zona Oeste. Fato é, que mesmo nesta amostra, este período, (1940 a 59) é o que reúne o segundo maior contingente de loteamentos , 30%. O período mais recente, após 1980, foi responsável por 25% dos loteamentos estudados, enquanto o período anterior ao 1939, por apenas 4%.
Com relação aos loteamentos clandestinos, observa-se um comportamento diverso do anterior, isto é, aquele revelado pelo total da amostra. No caso dos clandestinos constata-se, uma gradual elevação, em seu número, ao longo dos anos, enquanto para os irregulares, o último período apresenta uma significativa queda: de 53 cai para 5%. Ao menos, por esse dois períodos, tal fato faz com que se possa atribuir à edição da Lei 6766, que se deu em 1979, a responsabilidade por esse fenômeno, isto é, o significativo aumento de loteamentos clandestinos que, por pouco não elimina os loteamentos irregulares, no período: dos 21 loteamentos surgidos após 1979, 19 são clandestinos e apenas 2 irregulares. Observe-se, contudo, o paulatino aumento da clandestinidade em períodos anteriores a 1979 e, portanto, independentes da edição da citada lei.
Campo Grande, bairro que concentra a maior amostra, revela comportamento distinto do até aqui analisado para o conjunto dos loteamentos, principalmente, no que tange aos períodos com maior concentração de loteamentos. Neste caso, o período do pós-guerra foi, de fato, o que maior percentual, 49%, apresentou e 34% no seguintes. O mais recente, após 1980, apresentou 14% e o anterior a 1939, apenas 3%. Os demais bairros, por suas amostras reduzidas, não se prestam a análises individuais guardando um comportamento semelhante ao do número total de loteamentos, ou totalmente desbaratado, com concentrações de 100% em qualquer dos períodos ou no mínimo 50% em dois deles.
7.3 - Dimensão das Áreas Loteadas
7.3.1 - Segundo a Condição Jurídica
Analisando a totalidade da amostra, com relação à dimensão das áreas loteadas, mais da metade dos loteamentos encontra-se na faixa entre 10 000 e 50 000m² , enquanto que 21%, estão abaixo dos 10 000 m² . Assim, pouco menos de 80% dos loteamentos pesquisados são loteamentos pequenos.
Tanto os loteamentos clandestinos como os irregulares, também, concentram-se na faixa que vai de 10 000 a 50 000 m² , 57% no caso dos primeiros e 60% nos demais, como mostra a Tabela 3.1. Os loteamentos muito pequenos, isto é, abaixo de 10 000 m² , entretanto, apresentam maior percentual entre os clandestinos, (30%), do que naqueles classificados como irregulares, 11%.
Não se pode dizer, porém, que a clandestinidade seja uma categoria exclusiva dos loteamentos pequenos. Se é verdade, como mostra a Tabela 3.2, que 77% dos loteamentos com área inferior a 10 000 m² sejam clandestinos, 67% daqueles que possuem área superior a 200 000 e inferior a 1 milhão de m² também o são. Observe-se, entretanto, que o número total de loteamentos pequenos é muito superior a esta última faixa analisada, 22 contra apenas 3, valendo ressaltar que, embora cada loteamento pequeno apresente uma área pouco significativa, seu somatório, face o grande número, determina uma representação no espaço urbano muito maior, valendo ressaltar que quase 80% dos loteamentos pequenos encontram-se na categoria de clandestinos. Os mega empreendimentos, isto é, com mais de 1 milhão de m² , por seu turno, encontram-se, todos os dois, na categoria irregular.
7.3.2 - Segundo o Período de Ocupação.
A Tabela 4 procura identificar as relações entre o tamanho das áreas loteadas e os períodos de ocupação, podendo-se observar que, na medida em que os anos passam, a concentração tende a se dar nas faixas de menores áreas.
Se no período anterior à guerra, 67% dos loteamentos apresentavam áreas loteadas entre 50 000 e 200 000 m² , os dois períodos seguintes já possuem mais da metade dos loteamentos entre 10 000 e 50 000 m² . O último período considerado, isto é, após 1980, já apresenta um razoável equilíbrio entre os loteamentos nesta faixa, entre 10 e 50 000, e menores que 10 000 m² . As duas faixas somadas respondem por 85% dos loteamentos ocupados recentemente.
7.3.3 - Quanto à Localização
Quanto a localização, por bairro e por RA, face o maior número de loteamentos que a RA de Campo Grande concentra, 56% do total, é nela onde ocorrem os maiores percentuais em qualquer das faixas de área loteada consideradas.(Tabela 5.1)
De acordo com a Tabela 5.2 a faixa de 10 000 a 50 000, em qualquer das RAs consideradas, é a que concentra os maiores percentuais, assim como de uma forma geral ocorre com os bairros individualmente.
Desta forma, pode-se concluir que o porte dos loteamentos independe de sua localização geográfica.
7.4 Área Média dos Lotes⁵⁶
7.4.1- Segundo as Faixas de Áreas Loteadas
A Tabela 6.1 apresenta os lotes médios, classificados por faixas, e seu percentual distribuído pelas faixas de área loteada. Pode-se constatar, por ela, que a faixa entre 10 000 e 50 000 m² concentra a maior parte dos loteamentos quando se os classifica em função de seus lotes médios, em qualquer das metragens consideradas, o que demonstra que os loteamentos, com estas superfícies, são bastante diversificados com relação aos lotes médios que apresentam e que a relação entre o lote médio e a área loteada não se dá de maneira diretamente proporcional. Por outro lado, pela Tabela 6.2, observa-se que lotes médios inferiores ao permitido, pela Lei 6766, são preponderantes tanto nos loteamentos de até 10 000 m² , (64%), e entre esta medida e 50 000 m² (48%), decrescendo esta participação na medida em que crescem os lotes médios. Curiosamente também, na faixa entre 200 000 e 1 milhão de m² , os lotes até 125 m² são maioria, porém, a amostra, nesta faixa, é pouco representativa.
Os loteamentos maiores, face o pequeno número, não apontam, para um comportamento dominante, valendo ressaltar que todos os mega loteamentos, nenhum deles clandestinos, apresentam lotes médios acima dos 125 m².
Este último argumento pode ser relativizado ao se examinar a Tabela 7.1, que apresenta os loteamentos por lote médio e por condição jurídica, já que nada menos que 46% dos loteamentos que apresentam lotes abaixo dos 125 m² não são clandestinos e sim irregulares. Tal fato não deve surpreender já que muitos destes loteamentos são anteriores à edição da Lei 6766/79 e, até 1970, era permitida a construção de vilas⁵⁷ . Da mesma forma, nas demais faixas de lote médio, o número de loteamentos clandestinos é sempre superior aos irregulares, em particular na faixa de metragem quadrada mais alta. Tal fato aponta para a conclusão de que a situação de clandestinidade não representa, ao menos nestes casos, a implantação de lotes pequenos, tanto que, de acordo com a Tabela 7.2, um percentual idêntico, 45%, de loteamentos clandestinos e irregulares encontram-se abaixo dos 125 m² , enquanto percentuais muito próximos são encontrados nas outras faixas.
7.4.2 - Com Relação ao Período de Implantação dos Loteamentos.
A Tabela 8.1, por sua vez, demonstra que com o passar dos anos, o lote médio veio tendo suas dimensões reduzidas. Se antes da guerra nenhum dos loteamentos tinha lotes médio inferiores a 125 m² , estes já representavam 19% no período seguintes, 44 % entre 1960 e 1979 e mais da metade, depois de 1980, valendo lembrar que com a edição da Lei 6766, em 1979, estes casos devem se limitar aos loteamentos em situação de clandestinidade, que, sabemos, representam a quase totalidade neste período mais recente. Isto significa que 11 dos 19 loteamentos clandestinos feitos neste período apresentam lotes inferiores ao permitido!
Por outro lado, os loteamentos com lotes muito grandes, isto é, superiores a 250 m² , que chegaram a representar 33% no período anterior à Guerra, caem paulatinamente até chegar no período mais recente a apenas 5 % dos loteamentos realizados após 1980.
A tabela 8.2 mostra essa relação (lote médio / época de implantação) por período. Segunda ela, o período de 1960 a 79, por concentrar o maior número de casos na amostra, é também o que se destaca em qualquer das faixas de lotes médio consideradas exceto naquela que reúne os loteamentos com lotes maiores. Neste caso é o período imediatamente posterior à Guerra que concentra a maioria dos loteamentos, 47%.
7.5 - Sistema Viário
7.5.1 - Em Relação com a área média dos lotes.
Complementando a análise anterior, isto é, ainda em relação ao lote médio, porém, neste caso, confrontando-os com a largura dos logradouros existentes nos loteamentos, percebe-se que, na Tabela 9, que, em princípio, não existe vinculação entre a pequena dimensão dos lotes médios e a do sistema viário. De fato, mais da metade dos loteamentos, que apresentam lotes médios inferiores a 125 m² , possuem logradouros com larguras entre 8 e 10 m., sendo que quase um quarto deles possuem vias com largura superior a esta faixa. É bem verdade que os loteamentos na medida que passam a apresentar lotes médios com superfícies maiores também passam a apresentar logradouros mais largos. De toda forma, a inobservância de legislação, em relação ao lote, não leva a comportamento similar, em relação à via: apenas 2% dos loteamentos possuem vias cujas larguras, em média, não ultrapassam 5 m.
Observe-se, ainda, que nos loteamentos que possuem lotes médios superiores a 125 m² , a média da largura das vias também sobe: 46% dos loteamentos que detém lotes entre 125 e 250 m² e 75% dos que os têm acima de 250 m² apresentam vias com largura média acima de 10 m!
7.5.2 - Em Relação à Área Loteada
Mais que o tamanho do lote médio, o número de lotes parece exercer maior influência no dimensionamento do sistema viário, como se observa na Tabela 10, onde se pode notar que à medida em que cresce o número de lotes cresce progressivamente a largura média dos logradouros, obtida através de média ponderada⁵⁸. Enquanto os loteamentos com até 10 lotes possuem vias com largura média de 4 m., os acima de 1000 têm-nos com largura média igual a 12 m.
A Tabela 11 mostra a relação entre a divisão do número de lotes e o de vias e a área loteada, demonstrando que esta relação ocorre de forma irregular. Assim, se a maioria dos loteamentos com menos de 10 000 m² , (50%), apresentam a relação de 4 a 6 metros de rua para cada lote, a maioria dos loteamentos nas três faixas subsequentes, isto é, 10 a 50 000; 50 a 200 000 e de 200 000 a 1 milhão dispõem de 6 a 8, isto é, da mesma relação. Só acima desta faixa, isto é, com mais de 1 milhão de m2 , os loteamentos apresentam significativamente número superior de metros de vias, para cada lote...
7.5.3 Percentual da área ocupada pelo sistema viário
Parece não haver dúvida, porém, que a diminuição do tamanho dos lotes médios aumenta significativamente a participação do sistema viário na área loteada De acordo com a Tabela 12.1, 39% dos loteamentos, que possuem lotes médios inferiores a 125 m2 , gastam mais de 40% de sua superfície com arruamento, enquanto 63%, dos que apresentam lotes entre 125 e 250 m² , gastam de 25 a 40%. No limite oposto, estão os loteamentos com lotes grandes, dos quais 50% dispensam apenas 15%, ou menos, para arruamento.
Além disso, segundo a tabela 12.2, 80 % dos loteamentos que gastam menos de 15% com sistema viário têm lotes grandes, enquanto 82% dos que gastam mais de 40% têm lotes inferiores a 125 m² , o que reafirma a conclusão.
O mesmo não se pode afirmar em relação ao tamanho do loteamento. Segundo a tabela 13, a maioria dos loteamentos, em qualquer das faixas de área loteada consideradas apresentam uma participação do sistema viário que vai de 25 a 40% da área loteada.
A Tabela 14 procura relacionar a participação do sistema viário ao longo dos anos em relação à área loteada. Ao que tudo indica não há maiores ligações. A maioria dos loteamentos no longo período que vai de 1940 a 79, concentra-se na faixa entre 25 e 40% de área loteada ocupada por vias. Antes de 40, a totalidade se situava entre 15 e 25%, mas em compensação, após 1980, os loteamentos distribuem-se equilibradamente entre os diversos percentuais de superfície viária.
Tal tendência, em princípio, revela um comportamento aleatório da amostra, no que tange à relação entre área ocupada pelo sistema viário e o período de implantação dos loteamentos.
7.6 Áreas Públicas
Com relação às áreas públicas, os loteamentos apresentam uma característica peculiar, metade deles não apresenta qualquer área pública. Em compensação, 26% as têm, em proporção, que vai de 10 a 25%, como se pode observar na Tabela 15. Isto significa que, dos loteamentos onde existem áreas públicas, a maioria destina parcelas significantes a estas áreas, o que parece significar que área pública⁵⁹, ou não é sequer incluída no parcelamento, ou para que possa ser utilizada para fins educacionais ou de lazer, já necessita que tome proporções maiores, lembrando que as exigências legais aconselham 8%⁶⁰.
Se analisados os loteamentos, em relação ao seu tamanho, verifica-se que na faixa dos loteamentos pequenos, isto é, de até 10 000 m² de área, a proporção de ausência total de área públicas é extremamente significativa, 86%, o que não chega a constituir-se em surpresa já que, nesta faixa, não existe nem mesmo obrigação legal de reserva de área pública.
A faixa seguinte, entre 10 e 50 000 m² , se comporta como o conjunto de loteamentos, com um todo, apresentado acima, até porque os loteamentos contidos nesta faixa são a maioria, assim, 50% deles não apresentam área pública, enquanto outros 33% têm-nas na proporção entre 10 e 25% da área total loteada. Os loteamentos, acima desta área, concentram-se na participação entre 5 e 10%, de áreas públicas, confirmando a ideia de que acima de 50 000 m² , proporções menores destas áreas já viabilizam a implantação de alguns equipamentos públicos.
A Tabela 16, que apresenta as áreas públicas em função da condição jurídica dos loteamentos, mostra que o fato do loteamentos ser clandestino ou irregular é de fundamental importância para a existência de área públicas. Quase 80% dos loteamentos clandestinos não têm qualquer superfície destinada a áreas públicas, enquanto apenas cerca de 20% dos irregulares encontram-se nesta situação. Neste caso, 43% dos loteamentos irregulares apresentam áreas públicas que ocupam de 10 a 25%, de suas áreas loteadas, o que é significativo.
7.7 - Áreas de Risco
Tabela 17 apresenta os loteamentos segundo sua condição de risco em relação ao número de lotes localizados em áreas de risco e sua relação com o número total...
Onde não há risco, a proporção entre clandestinos e irregulares é mais ou menos semelhante, assim como nas faixas onde a proporção de risco é inferior a 50% da área loteada. Acima daí o comportamento é peculiar: nos casos em que todo o loteamento encontra-se em área de risco, os irregulares ultrapassam os clandestinos mas, em compensação quando o risco se mantém entre 50 e 100% da área loteada, os clandestinos representam 100% dos casos.
Estas observações, entretanto, devem ser tomadas com certa reserva pois há vários tipos de risco e uma coisa é ter áreas, periodicamente, inundadas e outra é ter áreas geologicamente frágeis. Em cada um dos casos, as conseqüências tangíveis e intangíveis são totalmente diversas. Outro ponto é o fato de que, em tese, um loteamento irregular deveria sanar o risco fosse através da obra de drenagem, em geral não executada, ougeotécnica. De toda forma são riscos conhecidos e considerados mitigáveis pela Prefeitura já que os PAL destes loteamentos foram aprovados, o que, ao menos nos tempos recentes, não ocorreria sem a anuência dos órgãos de drenagem e geotécnica.
7.8 -Definição de Loteamentos Típicos
Pelos exposto nos itens anteriores do presente capítulo, pode-se ver que algumas características dos loteamentos puderam ser identificadas e que, reunidas, podem determinar loteamentos típicos.
De início não se considerarão as condições jurídicas, localização ou o período de implantação por não se consubstanciarem em características físico-urbanísticas dos loteamentos , mas, em determinados casos, seus condicionantes. Assim, verificou-se que os loteamentos típicos deveriam preencher as seguintes condições:
Ter com extensão da área loteada mais de 10 e menos de 50 000 m2 (correspondendo a 60 loteamentos )
Possuir lotes médios abaixo de 250 m² , observando-se que neste caso, incluiu-se duas das faixas consideradas, tanto aquela que incluía loteamentos com lotes médios abaixo dos 125 m² , como entre esta medida e os 250 citados; (eliminando-se 8 loteamentos)
Possuir de 25 a 40 % da área loteada ocupada por sistema viário; ( eliminando-se 18 loteamentos)
Não possuir área pública ou tê-las na proporção entre 10 e 25% (eliminando-se mais 6 loteamentos)
Considerou-se que as áreas de risco constituem casos de exceção, chegando-se, assim, a 28 loteamentos típicos.
Destes, 16 são clandestinos e 12 irregulares e, quanto ao período de implantação, nenhum foi feito antes da Guerra, 6 até 1960, 11 entre 1960 e 1979 e 6 depois de 1980.
Optou-se, por distinguir os loteamentos da RA de Campo Grande, para dar continuidade à pesquisa, o que permitiu restringir-se a amostra a 13 loteamentos, dos quais um por não possuir indicação da data de implantação foi eliminado.
Os loteamentos típicos para o prosseguimento do estudo foram, assim, os seguintes:
Bairro Iracema
Bairro Elisa Maria
Bairro Eunice/Parque Ernestina
Bairro Ipatinga
Vilar Guanabara
Parque Habitacional Flora
Parque Sueli
Parque Núbia
Parque Mangueiral
Condomínio Sítio Laranjeiras
Caminho do Tutóia
Bairro União
Os quadros mostrados, a seguir, resumem as principais características de cada um deles, que são apresentados também em planta esquemática, na escala 1:5000.
7.9 - Caracterização dos Loteamentos Típicos
Dos doze loteamentos apresentados anteriormente, e apresentados como típicos, sete são clandestinos e apenas cinco, irregulares. Destes, todos são anteriores a 1979, enquanto que entre os clandestinos três são posteriores a esta data, ano da edição da Lei 6766.
Um dos fatores que mais diferenciam loteamentos clandestinos de irregulares é a situação fundiária, isto é, os procedimentos jurídicos em que se basearam a abertura e venda dos loteamentos . Entre os irregulares, as principais questões levantadas, e que determinam sua irregularidade, é a ausência de obras pelo loteador e a venda de lotes vinculados⁶¹. Encontraram-se, também, casos de desacordo entre implantação e PAL aprovado, sendo que em um deles houve um visível deslocamento da gleba sobre o terreno vizinho. Entre os clandestinos, porém, a situação fundiária é bem mais complexa, em alguns casos resvalando para o terreno policial, isto é, constituem verdadeiros “casos de polícia”. Neles, ocorre, também, a ausência de obras, porém, acrescentam-se situações como lotes vendidos duas vezes, ou áreas comercializadas em momentos distintos, com projetos também diferentes. Neste sentido, pode-se considerar que, sob o ponto de vista do adquirente, os loteamentos irregulares apresentam condições de compra mais seguras que os clandestinos.
A parte estes aspectos jurídicos, loteamentos irregulares e clandestinos são até bastante semelhantes, no que concerne às condições urbanísticas, o que faz crer que existe, por parte do mercado, um certo consenso sobre as características do produto “loteamento”, que não deve se parecer com um outro, identificado como “favela”. Este produto, “loteamento”, tem lotes que variaram (neste conjunto de loteamentos típicos), de 130 a 300 m² , mas a maioria ficou em torno de 260 m² , acima portanto, do exigido pela Lei 6766. Todos os lotes são de frente e as proporções entre a testada e a profundidade é, em geral, de 1 para 2,5.
O número de ruas é, em média de 8, o que pressupõe quadras de tamanho adequado. A participação do sistema viário em relação a área loteada é alta, de 21 a 29%. As ruas são largas. As de 7 m foram encontradas em apenas um loteamento, mesmo assim, em extensões pequenas. Normalmente, as ruas possuem 9 m de largura e não são raras as de 12. O traçado utilizado é sempre o da grelha ortogonal, mesmo quando o loteamento se dá em encosta, ocasionando muitas ladeiras, porém com declividades razoáveis.
Neste sentido, nota-se, observando-se as plantas de venda que, entre os clandestinos há problemas, com relação à sua implantação, pois algumas ruas não foram, simplesmente, abertas. Isto ocorre, em áreas de acentuada declividade, desconhecendo-se o que pode ter ocorrido com quem comprou lotes ali, se é que tal aconteceu.
A maioria dos loteamentos não apresenta áreas públicas, valendo lembrar que os irregulares, por serem anteriores a 1979, tentam se adaptar ao RPT do Estado da Guanabara, que previa 8% de doação, o que de fato ocorre. Vale ressaltar que raro é o loteamento que consegue atingir a marca de 35% de áreas públicas como determina a Lei 6766, mesmo com as altas participações do sistema viário. Ainda assim, dois loteamentos clandestinos previram áreas de uso público na proporção de 8%.
Áreas de risco ocorrem, principalmente, como já se disse acima, em loteamentos clandestinos, cujo número, dos que se localizam em encostas, é bem superior ao dos irregulares na mesma situação. Entre os irregulares, porém, por encontrarem-se em áreas planas e baixas, numa região com históricos problemas de drenagem, apresentou-se comum a queixa de inundações freqüentes, o que nem sempre caracteriza uma situação de risco, mas de incômodo. Observe-se que, nos casos examinados, os loteamentos irregulares dispõem de drenagem e, em três dos cinco casos, executada pela própria Prefeitura. Em apenas um não foi observado reclamações sobre áreas inundáveis.
Quanto à articulação com o entorno, os loteamentos clandestinos apresentam-se, muitas vezes, isolados. Os que se encontram próximos a outras estruturas parceladas apresentaram-se articulados a estas, dando continuidade às vias. Nos irregulares, observe-se, apenas um apresentou-se isolado, porém, em dois deles não se constatou articulação. A relação dos loteamentos e suas vizinhanças não é algo que a legislação em vigor, portanto, garanta.
CAPÍTULO VIII
CONCLUSÃO
A primeira conclusão, que se pode tirar deste trabalho, é que, embora o Estado tenha enorme capacidade para regular, tem pouca, ou nenhuma, para fiscalizar. A primeira característica produz os loteamentos irregulares, a segunda os clandestinos. Constatou-se, também, que, na medida em que as regulamentações aumentam, diminui o número de loteamentos irregulares e aumentam o de clandestinos. Como a fiscalização não consegue alterar este quadro, as regulamentações são, de fato, inócuas e a clandestinidade incentivada. Afinal, como já se disse, estes loteamentos não se encontram escondidos, pois que estão à vista de todos.
Acrescente-se a isto que, sob o aspecto jurídico e fundiário, os loteamentos clandestinos, como foi visto, apresentam situações muito mais lesivas ao adquirente que os irregulares, donde se conclui que, neste caso, uma legislação, ainda que mais permissiva, mas que desestimulasse a clandestinidade, seria, em princípio, benéfica para todos.
Até porque, a segunda conclusão que se permite retirar destes levantamentos é que, independentemente, do aspecto legal, (irregulares ou clandestinos), o mercado atribui a um loteamento, características próprias que o diferenciam de outras formas de assentamentos. Verifica-se, assim, que, quando se está diante de um loteamento, ruas e lotes observam um padrão de regularidade de desenho, baseado na trama ortogonal e que possuem dimensionamento que, em pouco, difere do que preconiza a legislação. Uma favela pode até parecer um loteamento, como é o caso de muitas na Zona Oeste. Um loteamento é que não pode parecer com o que se identifica como uma favela.
Diante disto, pode-se até especular que é o senso comum, e não parâmetros puramente técnicos, que define a legislação. Algo como um urbanismo consuetudinário. Estritamente, sob este aspecto, a habitabilidade dos loteamentos, aprovados ou não, é mais ou menos a mesma⁶².
Quanto ao parâmetro urbanístico, segundo o qual, loteamentos clandestinos mais se diferem dos irregulares é a previsão de áreas públicas. De fato, poucos foram os clandestinos que apresentaram estes espaços. Observe-se, entretanto, que tal característica não incide sobre a qualidade do loteamento, em si, mas do espaço urbano, em geral, considerando-se, para tal, um escala mais ampla. Loteamentos pequenos, isentos que estão, por lei, de as prever, não dispõem de áreas públicas. Logo, um conjunto de loteamentos pequenos tampouco as terá. Ocorre que, em termos de área loteada, um conjunto de loteamentos pequenos pode significar o mesmo que um loteamento grande. Assim, o resultado espacial, nos dois casos seria o mesmo, caso não haja área publica no loteamento grande. Ressalte-se, apenas, que, neste caso, as áreas públicas são exigidas, no outro não. Dificilmente, pode-se, atribuir ao loteamento grande, que pela falta de área pública se tornou irregular, um grau de habitabilidade inferior, ao conjunto de loteamentos pequenos.
As área públicas, desta forma, não servem para avaliar um loteamento, em si, mas, certamente, partes da cidade. É um elemento que, em escala, ultrapassa a análise restrita a um único loteamento. Neste sentido, torna-se fundamental que, na legislação municipal, e, em particular, nos planos locais, como nos PEU, tenha-se um levantamento claro das glebas existentes e , se já foram parceladas, ou não. Dependendo do resultado, leis que só visem loteamentos grandes poderão não fazer o menor sentido, enquanto aquelas que entenderem que é o somatório de pequenos parcelamentos que fazem a cidade, estarão contribuindo para a melhoria do padrão habitacional naquelas áreas. Neste caso, as áreas públicas deveriam ser objeto de diretrizes prévias à ocupação, que previssem a necessidade de desapropriações sucessivas, que impedissem que o contínuo de loteamentos de pequeno porte criasse áreas da cidade sem qualquer amenidade ou equipamento.
Por outro lado, no caso dos loteamentos maiores, de baixa densidade, áreas que não tenham sua destinação efetivada pelo poder público, tornam-se alvos para loteamentos clandestinos, o que significa lesar o adquirente que comprou, de boa fé, uma terra pública, que não poderá ser dele, ou abrigam invasões que apresentam padrões de ocupação bem mais desfavoráveis que seu entorno, irregular ou não⁶³.
Hierarquia Viária
Outro ponto a salientar, é a necessidade de estabelecer uma estrutura viária prévia, também à luz da estrutura fundiária existente. Constatam-se que existem dois níveis muito diferentes de estrutura viária oficial: os PA “rodoviários” e as ruas dos loteamentos. Os primeiros pressupunham a construção de estradas de porte e que, por consumirem grandes faixas de terreno, muitas vezes inviabilizam os processos de regularização das áreas por onde passam, induzindo ao parcelamento da gleba, por via clandestina, ou pela simples ocupação da larga faixa, que por tanto tempo ficou desocupada. A longo prazo, existir o PA, ou não, não fará a menor diferença pois sua implantação demandará um sem número de remoções. No outro extremo da trama urbana, encontram-se as ruas, desenhadas pelos PAL que, como já se disse, também contém um PA, e cuja costura com o conjunto da cidade é precário, mesmo que siga a legislação. Aliás, observou-se um grande número de loteamentos isolados cujos arruamentos partem de estradas com esparsa ocupação lindeira. A determinação de uma hierarquia viária clara e prévia e que definissem distâncias máximas, para cada classe de via, seria fundamental. Não apenas por uma questão de circulação interna, que no caso dos loteamentos examinados até demonstraram possuir, em bom nível, mas para que a circulação externa e a articulação dos loteamentos com o entorno se pudesse assegurar.
Inexistência das Obras
Porém, de tudo o que se viu, o aspecto que mais coloca loteamentos na irregularidade, e que em muito os aproxima dos clandestinos é a não execução das obras de infra-estrutura, tidas por lei, como imprescindíveis. Por outro lado, constatou-se que a possibilidade do morador adquirir aquele lote consiste, exatamente, em seu preço, e que este é função da localização e, principalmente, da ausência de infra-estrutura. Assim, se, de fato, o loteador cumprir a lei e, por não se dedicar a uma atividade benemerente, transferir este custo ao morador, certamente, a operação estará economicamente inviabilizada.
Ressalte-se que, pelo que se viu, no Rio de Janeiro ocorre um processo onde esvaziam-se as área infra-estruturadas⁶⁴ e buscam-se áreas onde a população possa arcar com os ônus da moradia, isto é, a periferia não infra-estruturada.
Por outro lado, mais importante do que se ter, ou não, a rede dos serviços, é a possibilidade de vir a ter o serviço e, assim, as leis seriam mais eficazes se determinassem às companhias concessionárias dos serviços que apresentassem seus planos de possibilidade de abastecimento, ou esgotamento, e em que prazos as diferentes regiões seriam atendidas. Desta forma, haveria áreas loteáveis, loteáveis a médio prazo e não loteáveis. A efetiva publicidade e transparência desses dados, para as Prefeituras, loteadores, Associações de Moradores e público em geral seriam determinantes no processo de expansão urbana⁶⁵.
A obrigatoriedade de execução das redes de infra-estrutura sanitária por parte do loteador é uma atitude que se mostra como justificativa mais moral do que técnica, já que a rede executada pelo loteador é, de fato, paga pelo morador, mas é oficialmente doada ao concessionário pelo serviço que, a partir daí, passará a cobrar pelo serviço que vier a fornecer. Facilmente se reconhece que a verdadeira obrigação de prover a rede seria de quem viesse a cobrar pelo serviço⁶⁶.
Observe-se, ainda, que tanto para o Estado, ou concessionária, é muito mais simples a montagem de uma operação financeira que capte recursos a juros baixos e prazo longo⁶⁷ de amortização, do que para o usuário, ou mesmo o loteador. Mesmo que o custo da rede viesse a ser transferido para o adquirente, este montante poderia ser pago através da conta de serviço, num prazo nunca inferior ao tempo de obsolescência da rede. Ou seja, enquanto fosse usada, estaria sendo paga, igualmente por todos os que a usassem, enquanto existisse, e não, apenas, por aquele que teve que pagá-la, justo e durante, o prazo de amortização da compra do lote, período que não pode ser tão longo, face as limitações financeiras do loteador. Tudo isto, vale insistir, caso o loteamento se localizasse numa área passível de ser abastecida, ou que pudesse ser esgotada e drenada. Desta forma, seria também mais simples, para as Prefeituras, fiscalizarem pois, de fato, apenas as áreas não loteáveis seriam melhor monitoradas e não, a totalidade do território municipal.
Assim, mais do que leis que garantam a regularidade de um loteamento, o que em tese garantiria seu padrão de habitabilidade, faltam, por parte do Estado, entendido em seus diferentes níveis de governo, diretrizes para a expansão urbana. Este vácuo institucional se revela na falta de estrutura viária, no desconhecimento da capacidade de suporte das áreas, em relação à infra-estrutura, e no mapeamento das situações de risco, incluindo-se, neste caso o não só o risco hidro - geológico, mas também jurídico e fundiário.
Resumo
Em resumo, pode-se dizer que a ausência das obras e a completa falta de responsabilidade, por parte dos loteadores, seja pela sua execução, seja pela possibilidade de atendimento futuro dos serviços pelas concessionárias, criaram um quadro de precariedade urbana que passou a caracterizar a periferia, como local de moradia barata, para a população de baixa renda. Neste quadro, se pode observar dois movimentos. O primeiro, encarnado pela Lei 6766 / 79, eqüivale a aumentar as exigências legais à atividade loteadora, inclusive impondo-lhe sanções penais; o outro, representado pelo Movimento de Loteamentos que transfere ao poder público a responsabilidade pela execução das obras, que não foram realizadas pelos loteadores. De certa forma, por vias indiretas, se está diante de um subsídio oficial, numa operação em que o loteador cria um terreno barato, o morador paga o que pode e o poder público entra com a contrapartida da infra - estrutura. Entretanto, como este pacto não foi escrito, o que se viu foi o aumento significativo do número de loteamentos clandestinos, em face da incapacidade de fiscalização, por parte do poder público, como pela completa ausência de Políticas Públicas, que não só, produzissem habitação em proporção a combater o déficit, mas que buscassem manter o morador no local, onde, residência e infra-estrutura já existem.
A atividade, constrangida por leis, bem intencionadas, porém, destituída de sentido de realidade, continuava a funcionar, só que agora, nem mesmo o PAL era mais aprovado, já que ninguém iria conseguir o habite-se de um loteamento com obras que não foram feitas. Observe-se que mesmo o loteamento por etapas desaparece pois os prazos dados pela Lei eram exíguos.
Do ponto de vista urbanístico, pouco se nota diferença. O mercado ao lançar um produto, seja qual for, admite características mínimas, pelas quais o consumidor o identifica. Assim como existem carros de todos os preços, sabe-se que se está diante de um quando ele tem quatro rodas, motor e direção, pelo menos. Um loteamento deve diferir ostensivamente de uma favela ou mesmo de um conjunto habitacional e, assim, deve apresentar características urbanísticas que o credenciem como tal. Assim, pode-se dizer que, sob o estrito aspecto urbanístico, não se constataram, no decorrer deste trabalho, grandes diferenças entre os loteamentos pesquisados e o que determina a legislação, ressalvando-se, entre os clandestinos , a reserva de áreas públicas e o tamanho dos lotes.
Sob o aspecto jurídico - fundiário, entretanto, os loteamentos clandestinos apresentam, por vezes, um quadro que os colocam no campo da criminalidade pura: lotes vendidos a mais de um adquirente, parcelamentos feitos por quem não era proprietário da gleba, ou parcelamentos de áreas públicas são situações encontradas na amostra utilizada. Neste sentido, ter um PAL examinado, pelo órgão competente, pode representar uma importante salvaguarda por parte do adquirente.
Os irregulares, por seu turno, igualaram-se aos clandestinos no que tange à não execução das obras e em quase todos constata-se a venda de lotes vinculados que, em tese, seriam a garantia para a efetivação dos trabalhos de infra-estrutura.
Considerando-se que na não execução da infra-estrutura reside o principal fator de irregularidade dos loteamentos e que as leis que definiram esta obrigatoriedade de fato criaram uma situação de clandestinidade, dever-se-ia rever esta legislação, optando por uma operação consorciada onde tanto o loteador, as concessionárias e o poder público, arcassem com o custo da urbanização, mesmo que em prazos e condições diferenciadas, fossem estes custos, ressarcidos pelos adquirentes.
Possivelmente, estar-se-ia assegurando que, na produção do espaço urbano, os direitos de cidadania estivessem presentes, considerando-se que o baixo poder de compra da população não pode ser compensado, no que concerne às redes de serviços públicos pelo baixo padrão de habitabilidade.
⁶² Há parâmetros legais que se mostram, até mesmo, incompreensíveis, como no caso em que as ruas devem ser mais largas quando os lotes também forem grandes, já que, como se viu, quanto menor for o lote, mais funções demandar-se-á das ruas, como estacionamento, arborização, prisma de ventilação que, no caso dos lotes grandes podem ser atendidas por afastamentos frontais mais generosos.
⁶³ Em reuniões com as associações de moradores, constatou-se uma certa revolta e até discriminação com estas invasões, denotando que por terem pago pelo lote, os moradores dos loteamentos seriam mais merecedores da atenção do poder público do que aqueles que, simplesmente, ocuparam um terreno, do qual, esperava-se, cumprisse função pública, isto é, coletiva.
⁶⁴ Observe-se o Capítulo onde se mostrou que as AP 1, 2 e 3 perdem população. Pode-se especular que o abandono destas AP, assim como o extraordinário crescimento do número de domicílios favelados, que nelas também se verifica, em particular, na AP3, podem ser explicados pelo aumento do valor dos aluguéis e prestações, das taxas (IPTU), assim como pela queda do poder aquisitivo da população e do aumento do desemprego. Qualquer desses aspectos são bem conhecidos e abordados, continuamente, pela imprensa, especializada ou não, há já bastante tempo.
⁶⁵ Atualmente, no Rio de Janeiro, uma Declaração de Possibilidade de Abastecimento (DPA) e Esgotamento (DPE) é fornecida pela CEDAE, que estuda caso a caso e fornece resultados, por vezes, surpreendentes.
⁶⁶ Vale observar que serviços públicos são atribuições do poder público que deles se desincumbe diretamnte ou exercendo seu poder concedente, isto é, através de concessionárias públicas ou privadas. Existirem serviços públicos é. portanto, direito de cidadania.
⁶⁷ Prova disto são os programas ora em execução no Rio de Janeiro como PROAP (Prefeitura), PROSANEAR e Despoluição da Baía de Guanabara (Estado) que juntos alcançam várias centenas de milhões de dólares e que, em resumo, cumprem o papel de urbanizar áreas já ocupadas e não infra-estruturadas e cujo processo de ocupação foi feito, em grande parte alheio às interferências do poder público, resultando em situações bem mais desfavoráveis, do que se fossem feitos com um mínimo de diretrizes.
ÍNDICE DE SIGLAS
AEIS - Áreas de Especial Interesse Social
AP - Área de Planejamento
BID - Banco Interamericano de Desenvolvimento
CECA Comissão Estadual de Controle Ambiental
CEF - Caixa Econômica Federal
CEHAB - Companhia Estadual de Habitação
CODIN - Companhia de Desenvolvimento Industrial
COPEG - Companhia Progresso do Estado da Guanabara
COSIGUA - Companhia Siderúrgica da Guanabara
ETA - Estação de Tratamento de Água
FAMERJ - Federação das Associações de Moradores do Estado do Rio de Janeiro
FEEMA - Fundação Estadual de Engenharia do Meio Ambiente
FGTS - Fundo de Garantia de Tempo de Serviço
GEAP - Grupo Executivo de Assentamentos Populares
IEF - Instituto Estadual de Florestas
INRL - Inscrição no Núcleo de Regularização de Loteamentos
IPLAN - Empresa Municipal de Informática e Planejamento
NRL- Núcleo de Regularização de Loteamentos PA ou
PAA - Projeto Aprovado de Alinhamento
PAL - Projeto Aprovado de Loteamento
PEU - Plano de Estruturação Urbana
PGE - Procuradoria Geral do Estado
PGM - Procuradoria Geral do Município
PLANASA - Plano Nacional de Saneamento
PROAP - Programa de Urbanização de Assentamentos Populares
PROFILURB - Programa de Lotes Urbanizados
RGI - Registro Geral de Imóveis
RMRJ - Região Metropolitana do Rio de Janeiro
RPT - Regulamento de Parcelamento de Terra
SABREN - Sistema de Assentamentos de Baixa Renda
SFH - Sistema Financeiro de Habitação
SMU - Secretaria Municipal de Urbanismo
UEP - Unidade Espacial de Planejamento
ZUPI - Zona de Uso Predominantemente Industrial
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